BRASILEIRO POR OPÇÃO-XVIII
José Augusto de Castro e Costa
A emboscada boliviana na “Volta da Empresa” repercutira como
um verdadeiro desastre, chegando a pronunciar-se o pânico no seringal
“Liberdade”, que Plácido, após a batalha, encontrara inteiramente deserto,
tendo o próprio dono da cabana, tomado de terror, fugido com a família.
Contudo, o Caudilho não desanimara, de vez que sabendo-se ser
um guerreiro completo, houvesse ele lutado em campo mais amplo, com comandados
um pouco mais experientes, teria alcançado melhor resultado.
A estreia, com efeito, trouxera-lhe aproveitável lição.
Estudando as causas da sensível baixa, Plácido de Castro verificara que todos
os mortos e feridos vestiam-se de roupas claras, o que favorecera ao inimigo
alvo certeiro. Imediatamente ordenara que os
soldados brasileiros providenciassem uniforme azul, o mais rápido possível,
conseguindo-o em poucos dias, graças à
boa vontade de todos, sem exceção.
Reorganizadas as forças, Plácido traçara o plano de ataque a
“Nova Empresa” e, para lá, pôs-se em marcha, com um contingente importante, em
face do acréscimo de mais de cem homens tirados do seringal do coronel Antonio Antunes de Alencar.
Precisamente no dia 2 de outubro estavam diante dos
bolivianos novamente os acreanos, contando com a participação dos senhores
Antunes de Alencar, Alexandrino Silva, que anos depois protagonizaria triste
episódio, Gastão de Oliveira e outros. Todos
reconheceriam a supremacia militar de
Plácido de Castro, ocasião em que o aclamaram general, fato que recebera o declínio do Caudilho, não apenas por
modéstia, mas sobretudo para evitar mau precedente de promoções por
pronunciamentos.
A 5 de outubro, conforme planejado, os acreanos atacaram a
“Volta da Empresa”, simultaneamente, pelo lado de cima e pela retaguarda.
Segundo apontamentos do próprio Plácido, “estando marcado o
combate para às 10:00 da manhã, no momento em que o inimigo deveria estar
descansando da formatura, tal não acontecera, porque o coronel Alencar mandara,
às 9:30 atirar em uma sentinela inimiga, o que alterara bastante o resultado, pois não pudera
o inimigo ser colhido de surpresa”.
Com efeito, a batalha fora iniciada, com os acreanos abrindo
fogo, com muita bravura e contagiante vigor, avançando sob um furacão de balas
e desalojando os bolivianos de suas trincheiras, improvisadas no gaiola “Rio
Afuá”, sequestrado pelo inimigo, que surpreendido pela vazante, ficara
encalhado no porto da “Volta da
Empresa”, sob violenta pressão, mostrando haver enfraquecido o âmbito da
defensiva.
A noite o combate fora suspenso , a fim de que os mortos
fossem enterrados e os feridos conduzidos para o hospital de emergência, na
“Volta da Empresa”.
Logo ao amanhecer os bolivianos perceberam que estavam
completamente cercados por elementos hostis, tais como uma frente
humana de brasileiros abrindo fogo incessante,
o paredão verde da floresta que os isolava de suas bases e, finalmente,
o rio Acre minguando as precárias águas do estio, natural da época, que seria o
caminho de Puerto Alonso, de onde deveriam chegar os recursos. O rio seco, bloqueado pelos acreanos, completara
a linha eficiente do bloqueio, impedindo
o inimigo até de buscar água para beber.
Plácido de Castro sempre procurava demonstrar o traço humano
na guerra que empreendia, razão pela qual oferecera garantias para rendição, ao Coronel Rosendo Rojas, Comandante das
Forças Bolivianas em Volta da Empresa, estabelecendo bases condicionais para a
suspensão das hostilidades, entre as quais, bloqueio do abastecimento de
víveres e de água para os sitiados.
Apesar do caráter humanitário, o Caudilho era inflexivelmente
severo, a ver-se pela atitude para a execução de Antonio Português, o guia da
coluna Coronel Rojas, preso por oficiais acreanos, para quem ordenara o
imediato fuzilamento, após o qual, alguém vira rolar duas lágrimas dos olhos do
gaúcho.
O combate da “Volta da Empresa” tivera prosseguimento por quase
onze dias, quando, depois de algumas trocas de correspondências, o armistício seria aceito, contido na resposta afirmativa do Coronel Rozendo Rojas.
Plácido, então, mandara elaborar uma Ata, redigida em português e espanhol, na
qual constara garantia de vida para o Comandante e seus oficiais e soldados
bolivianos, liberdade a todos os prisioneiros, licença aos indígenas
carregadores e soldados casados para regressassem à Bolívia, via “Madre de Dios”, sob o comando
de seus superiores, enquanto o Coronel Rosendo Rojas e demais aprisionados seguiriam para seu país, com baldeação por
Manaus.
Plácido de Castro começara a provar ser um brasileiro
inclinado à lealdade, à honra e ao
cavalheirismo, de espírito elevado no momento de receber o adversário vencido. Levando
consigo cerca de 60 homens, descera o
rio levando os bolivianos presos até o
Antimarí, de onde prosseguiram para Manaus, com destino à Bolívia.
Ao regressar, por outro caminho, um varadouro para “Bom
Destino”, Plácido tomou conhecimento da derrota da pequena força acreana no
igarapé “Baía”, onde um pequeno número
de brasileiros fora vítima de fuzilamento e outros queimados dentro do
barracão.
Atravessando a floresta densa, o Caudilho atingira, a 17 de
novembro, com um total de 400 homens, a barraca Bela Vista, em Santa Rosa, no
rio Abunã, onde, na manhã seguinte, seus pelotões delinearam o ataque, com
imenso tiroteio contra as linhas bolivianas, protegidas por trincheiras de
borracha, em combate que durara cerca de cinco horas, terminando com a
dispersão das tropas inimigas, evadindo-se pelo emaranhado da selva. Os
brasileiros concluíram o ataque, que se configurara no terceiro combate,
ateando um vasto incêndio às casas e trincheiras bolivianas.
De Santa Rosa Plácido invadira a Bolívia, tomando
“Palestina”, posto boliviano abastecido pelo quartel-general de Riberalta para,
no princípio de dezembro dirigir sua
tropa a Xapurí, de onde partiria para o quarto combate, no lugarejo denominado Costa
Rica, guarnecido por 100 bolivianos.
A 25 de outubro, Dom Lino Romero, Delegado boliviano em
Puerto Alonso, sentindo bem claro a situação dos acontecimentos desencadeados
no Acre, escrevera ao presidente da Bolívia, fazendo relato da revolução
acreana, em que insinuara que seu país não deveria sacrificar-se por causa
estéril, como a encontrada naquela região tão adversa à sua natureza e que, por
natureza, não lhe pertencia. Em certo trecho, escrevera textualmente Dom Romero, que “ El Acre nominalmente ES de
Bolivia, pero materialmente ES Del Brazil, todo contribuye à ello; inmensas
distancias y obstáculo que ló separan Del resto Del paiz, La población extraña
que ló Puebla, La falta de vias de comunicación dentro Del mismo território y
finalmente La imposible adaptación de nuestra raza a este clima mortífero............Se
AL Brazil apetece El Acre, que ló posea em buena hora.........Tengo a bien
comunicar a ud que el Sr. Placido de Castro y demás jefes enemigos se han
portado com nuestros prisioneros com toda nobleza y cavallerosidad” .
Na missiva ao Presidente da Bolívia, Dom Lino Romero argumentara
que povos poderosos não puderam manter sob seu domínio seres de outra raça e
outros costumes, e os bolivianos, ainda em estágio débil e embrionário, não
poderiam contrariar uma lei histórica comprovada a cada passo. Para a
autoridade boliviana o Acre nunca poderia ser da Bolívia.
Porém esmorecer, em
descumprimento de ordens, jamais! Os bolivianos, em Puerto Alonso, procuraram
restituir o ânimo para enfrentar toda a adversidade que o destino lhe houvera
traçado. Cavaram trincheiras, derrubaram árvores, instalaram cercas de arame
farpado, intensificaram o patrulhamento, verificaram o estado e armaram em prontidão o canhão tomado aos
“Poetas” dois anos atrás. Enfim, mantiveram-se em alerta.
No princípio de janeiro de 1903, o Acre, ao norte da chamada
linha Cunha Gomes, estava livre de bolivianos que, batidos por toda parte
recuaram a território incontestável, concentrando-se em Puerto Alonso, onde o
Coronel Lino Romero ainda dispunha de certa quantidade de soldados para a
defesa de sua autoridade combatida, desacatada e periclitante, a qual, ele próprio, mantinha
sem entusiasmo, por simples lealdade ao governo de seu país, conforme definira
com a expressão de que “El Acre nominalmente ES da Bolivia, pero
materialmente, ES Del Brazil”.
Dom Lino Romero fixara-se em Puerto Alonso, com sua
autoridade limitada e encurralada, entre a floresta e o rio, com um
quartel-general dos revolucionários ali próximo, em Caquetá, e entre os flancos
as tropas de Plácido de Castro, ditador
em toda a região, por aclamação popular. Sentira-se prisioneiro em sua própria
cidadela, Puerto Alonso.
De salientar que Plácido de Castro, com sua saúde precária,
em vista dos ataques do implacável impaludismo, caracterizado por longas e
graves acessos de febre, que ocasionam frequentemente o estado comatoso, o qual
precede a morte, exercera uma quase
onipresença nos lugarejos do Acre. Quando não podia caminhar ou montar, era
carregado numa rede para, no ponto necessariamente pré-estabelecido, erguer-se
e, não só comandar, mas também proceder a artilharia. Já comandara efetivamente
quatro combates atemorizantes.
A providencia de estar presente onde fizera-se necessário,
sempre desmentira os boatos espalhados,
com relação à morte do Caudilho e consequente fracasso do movimento.
Contudo, a superioridade que os acreanos levavam sobre os
bolivianos era incontestável e enlevavam a alma dos revolucionários. Plácido
vira, como estímulo, o aumento considerável de seu exército, regularmente
eficiente para as próximas ações.
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