BRASILEIRO POR OPÇÃO-XIX
José Augusto de Castro e Costa
Nos primeiros dias de janeiro de 1903 as forças
revolucionárias aguardavam ordens de
Plácido de Castro, simultaneamente, nos
seringais Caquetá, São Jerônimo e Bom
Destino, prontas para o ataque a Puerto Alonso.
O que o Caudilho preparara era um exército regularmente
eficiente para a ação que iria desenvolver, tropa essa mobilizada pelos
proprietários dos seringais. Ademais, os acreanos achavam-se bem mais
mobilizados, tanto por terra quanto por água, em vista da cheia dos rios, que
inundavam tudo, graças às chuvas
constantes da época.
O navio “Afuá”, que antes, sequestrado, houvera servido de
abrigo aos bolivianos, após o segundo combate passara a pertencer novamente aos
brasileiros, com o sugestivo nome de “Independência”.
No porto de “Caquetá” Plácido de Castro fizera alguns
contatos com comandantes de navios e dera início ao sítio de “Porto Acre”,
mandando abrir um varadouro contornando o terreno onde se deveria acontecer o combate e
ensejando saídas para outras direções.
No dia 13 de janeiro, Plácido oficializara ao Delegado
boliviano, comunicando o início da batalha para o dia seguinte, às 10 horas da
manhã, aproveitando para oferecer-lhe hospital para transfusão de sangue, a fim
de nele também serem recolhidos e tratados os feridos, o que fora recusado, em
linguagem considerada descortês.
Às 23 horas, Plácido suspendera a ordem do ataque que estava marcado, porém no dia seguinte, às 14 horas,
distribuíra, pessoalmente as forças nas posições que deveriam ocupar, a fim de
partirem para o combate.
A partir dessas providências, uma rajada de vibração
patriótica sacudira o Acre inteiro, de brasileiros a bolivianos, invadidos pela
angústia de ver chegar, o mais rápido possível, o momento real de jogarem o seu
destino.
Plácido de Castro acampara um pouco acima de Porto Acre, com
o batalhão “Independência”, quando apresentara-se ao seu comando o engenheiro, seu conterrâneo,
Gentil Norberto, oferecendo-se ao combate, disposto a cumprir todas as ordens
que lhe desse, sendo aceito e colocado como um dos ajudantes de ordem do Caudilho.
Segundo Plácido, às 9 horas do dia 15 de janeiro os acreanos
romperam as hostilidades e às 14 horas já ocupavam posições em campo aberto, há
cerca de 120 metros das trincheiras bolivianas.
De suas posições bem resguardadas nas eminências do terreno,
os bolivianos responderam com firmeza o tiroteio, ”dirigindo o fogo para alinha
de baixo e para a margem direita”,
porém, de súbito, Puerto Alonso recebera
um bombardeio do “Independência”, que acabara de estender linha de
artilharia pela parte de cima do rio Acre.
Desencadeara-se a refrega com tal impulso, que rapidamente as
tropas acreanas aproximaram-se cada vez mais do inimigo. Porém, uma repentina contra-ofensiva
afastara e recuara, forçosamente, os
revolucionários, que se abrigaram na escuridão.
As perdas acreanas somaram, entre mortos e feridos, a
cinquenta soldados, contudo, durante a noite, foram tamanhos os esforços e as
providencias tomadas para o sepultamento dos mortos, acolhimento dos feridos e
abastecimento às linhas, que, ao amanhecer do dia 16 de janeiro, todas as
forças viram-se entrincheiradas e abastecidas
de víveres e água acondicionada em sacos impermeáveis, improvisados de
cauchos de árvores, prontas para novo combate.
Fizera-se necessário que o navio “Independência”, carregado
de borracha, descesse o rio para, em Manaus, trocar o carregamento por
armamentos e munições, a fim de manter
a resistência da revolução.
Plácido encarregara o coronel Antunes de Alencar de forçar a passagem do
navio, quando recebera uma dupla surpresa: o comandante Alencar simulara estar,
instantaneamente, acometido de grave crise hepática, desculpando-se e
pedindo-lhe urgente dispensa do comando, e, logo a seguir, fora o Caudilho
informado de que os bolivianos haviam colocado uma grossa corrente, de uma margem a outra do rio, para
impedir a passagem do gaiola.
Plácido, então, dispusera outros comandos para as forças em
terra e fora para bordo do “Independência”, a fim de comandar e compelir a
necessária passagem, levando consigo uma força de artilharia de 50 homens,
dispondo-a 25 em um bordo e 25 no outro, comandados por dois subalternos.
Consumira-se não menos que três dias para romper a corrente que impedira a
passagem do vapor, culminando com a perda, intercalada de um em um, de cerca de
dez soldados voluntários, na operação submersa, debaixo da fuzilaria inimiga. A
bordo do gaiola essas forças ficaram bem entrincheiradas, assim como o próprio
Plácido e seu ajudante-de-ordens, capitão Antonio de Souza Coelho, que se
posicionaram no meio da praça de armas, no momento da passagem. O Caudilho desdobrara-se em múltiplas
atividades, ajudando a arrumar, distribuindo a munição, ministrando advertências
de ordem técnica e ainda pilotando o timão do barco.
Às seis horas da manhã do dia 19 de janeiro, Plácido de
Castro ordenara que se suspendesse âncora
e avançasse o gaiola, envolto na densa bruma, num ambiente de franco
nervosismo.
Súbito, silvara dentro da neblina da atmosfera acreana, o
apito prolongado do “Independência”, desencadeando, simultaneamente, como que
ensaiado, um violento indescritível tiroteio vindo de todos os quadrantes, mas que não impedira a passagem, feita
garbosamente pelos revolucionários brasileiros. Eram, sim, uns verdadeiros “cabras
da peste”.
Plácido de Castro, observara
de seu comando e, em seus apontamentos registrara como sendo “belo o aspecto
apresentado pelas linhas sitiantes e sitiadas, formando duas curvas
concêntricas de fumo”.
Os vivas entusiastas irromperam por todas as linhas acreanas
com o luminoso rufar da artilharia ao clarear da manhã. Os atiradores de bordo
tanto atiravam como soltavam gritos de cego entusiasmo e contagiante comoção.
Passado o perigo e quando o “Independência” encontrara-se em
local seguro, foram as forças acreanas reparar as avarias, quando de súbito,
desabara uma chuva torrencial.
O aguaceiro, por ser muito forte, começara a encharcar as
trincheiras e, por extensão, os próprios abrigos dos bolivianos, cujas paredes
e tetos foram perfurados pelas balas brasileiras.
Começara a ser notado o desespero no acampamento boliviano, à
medida que o dia avançava, refletindo na desorientação percebida pelos
sussurros de vozes que entremeavam no ruído do trabalho nas trincheiras e nos
sepultamentos dos mortos, indicando a proximidade dos combatentes.
Todavia, ainda que contínuo, os disparos da artilharia
boliviana passaram a ser menos cerrados, em ritmo modificado, com intervalos
estimados de cinco em cinco minutos, de modo tendente a descontínuo, porém,
sempre brutal.
De vez em quando um aguaceiro violentamente caudaloso abatia-se
sobre o campo de batalha.
Plácido selecionara uma turma para fazer o abastecimento
d’água, conduzindo-a do rio nos sacos encauchados, servido pelos cauchos das
árvores, que todo seringueiro usava, impermeáveis, onde, antes, comumente
guardavam roupa, rede e mosquiteiro.
O Caudilho sempre expusera aos revolucionários os perigos da
aventura, ocasião em que a morte poderia alcançá-los, porém, constantemente
lembrara-lhes de que a vitória só dependeria deles. Todos comungaram com ele.
Ninguém recuara, ninguém caíra, ninguém temera. E, sob a
fuzilaria boliviana os acreanos estiveram sempre prontos para partir em demanda
do rio, para a morte talvez.
Para ser brasileiro,
por opção.
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