segunda-feira, 11 de junho de 2012

BRASILEIRO POR OPÇÃO – VI
                     José Augusto de Castro e Costa

     A história do Acre é, na verdade, uma das mais belas, sobretudo  por  revestir-se  de questões surpreendentemente  belicosas,  provenientes de  enredos  e solucionadas  pela participação ativa de irmãos brasileiros, inspirados  por suas  aguerridas  presenças de espírito, ressaltando-se, não apenas, o Barão de Rio Branco, Embaixador Assis Brasil e José Plácido de Castro, mas inúmeros outros. De salientar, sobremaneira, o empenho contundente, inteligente e (aqui cabe dizer) “salvador da pátria”, exercido pelo brasileiro Alexandre de Gusmão, conhecedor profundo da geografia do Brasil e seus problemas, que, com  sagaz  perspicácia , inseriu o “uti  possedetis” no Tratado de Madri,  e no  Tratado de Limites, de 1750. Secretário do Conselho Ultramarinho, Alexandre de Gusmão exercia,  ainda , atividades de  conselheiro íntimo do rei D.João V, o que o credenciava a negociar pactos relativos  a bases  de limites territoriais e elementos soberanos de Suas Majestades  da Espanha e de Portugal,  na metade do século XVIII.
     Entretanto, cento e cinquenta anos após, essas questões de estruturação histórica-política do Tratado de Madri, adormeciam ignotas, na mente sul-americana de brasileiros e  bolivianos,  como se estivessem  ocultadas pela espessura  da  floresta  amazônica.
     A contenda diplomática, porém, começa a buscar soluções para a questão de limites dos dois países, o que incluiria o Peru. O Tratado de Ayacucho, porém, trazia  uma variedade de nomenclatura  geométrica, o  que sugeriria muitas interpretações diversificadas.    
     Enquanto isso, os bolivianos iniciando a jornada  de ocupação do Acre, atingem a bacia do rio Madeira, sob o comando do General  Pando, que viria a ser Presidente da Bolívia, anos depois.
     As autoridades bolivianas, então, autorizam a demarcação de limites, na parte compreendida  entre o  Madeira  e o Javarí, salientando que  “esta nascente está, para todos os efeitos, na demarcação entre Brasil e Bolivia”. Acontece, porém, que em outra demarcação realizada  pela Comissão de Limites do Ministério do Exterior, a  latitude está completamente diferenciada.
     Desenvolve-se daí uma confusão generalizada, agravada com o protesto do Peru que julgava-se lesado pela Bolivia, contra a perda de território  seu.
     A essa altura os Estados Unidos e a Inglaterra  estavam interessadíssimos em abrir o rio Amazonas à navegação internacional, sob a influência de uma propaganda que sugeria a abertura do Rei dos Rios, com diziam em seus jornais:  Kings of Rivers.
     Enquanto grupos de bolivianos encarregavam-se de ocupar os rios Juruá, Iaco e Acre, outros, influenciados  e sugestionados pelo imperialismo econômico, dedicavam-se à instituição do organismo internacional que, indubitavelmente não só iria gerir toda a economia regional, como colonizaria parte da soberania do Brasil,       apossando-se, “in totum”,de seu principal produto de exportação. Trata-se do “Bolivian Syndicate”, o qual projetava controlar todas as atividades relacionadas ao produto, bem como sua exportação, com o poder econômico e forças terrestres e navais. Constava do contrato com o “Bolivian Syndicate” o equipamento e manutenção de força naval armada, para a defesa dos rios, conservação da ordem interna, com o poder de policia.
     Havia sido nomeado pelo governo boliviano, para exercer o cargo de Delegado Nacional do Governo da Bolivia, Don Juan Franisco Velarde, o mesmo que há poucos anos proferira conferência na Sociedade Geográfica, na presença de D.Pedro II, insinuando a imediata ocupação na região amazônica. Como autoridade boliviana, D. Velarde desloca-se para a região do Alto Acre, a fim de, sobretudo, instalar um posto aduaneiro, para evitar os contrabandos por ali passados. Chegara, então, a Manaus, com o intuito de apresentar seus planos ao governador do Amazonas, na ocasião, o senhor Ramalho Junior, a quem pedira apoio para o plano exposto. Felizmente o governador Ramalho Junior negara assentimento à fundação do posto alfandegário no Acre, pelo fato de não haver recebido, do Governo do Brasil, nenhuma instrução nesse sentido. Em ação concomitante chegara à vila de Xapurí, por via terrestre, uma  expedição militar de 30 praças, destinada a dar cobertura ao que propusera-se D. Juan Velarde, informando  que a Bolivia havia deliberado fundar uma Delegação Nacional naquele rio.
     No Amazonas, a delegação de D. Velarde  quedara-se, encantada com a região que, julgavam  semelhante a sua, não muito distante dali. Durante a viagem de Belém para Manaus, notavam os bolivianos que, em certas zonas, a perspectiva mudava frequentemente para quem acompanhava com a vista as margens e o desenvolvimento das árvores. De vez em quando distinguiam árvores com manchas brancas no tronco, de um colorido verde claro na folhagem, e que logo eram apontadas como exemplares da famosa  seringueira.
     Junto das seringueiras era notado um jirau composto de três ou quatro forquilhas e de outras travessas, de cima das quais o seringueiro  poderia fazer mais alto as incisões e lá espetar a sua tigelinha para colher a preciosa seiva. A expedição navegava, ainda, pelo Amazonas.
     Em Manaus, o desenvolvimento era notório e seus visitantes já lhe previam um futuro grandioso por sua situação privilegiada. Era de saltar à vista o cosmopolitismo da cidade, por seu progresso vertiginoso, por sua arquitetura, por suas obras municipais, por possuir um monopólio comercial e pelo futuro que lhe era reservado.
     Toda essa estrutura de benfeitorias, atrativos arquitetônicos, artísticos , culturais, entretenimentos e movimentações sociais, estaria ameaçada a escassear, caso o “Bolivian Syndicate” conseguisse fechar as atividades das Alfândegas de Manaus e de Belém, levando a efeito apenas  o desempenho do posto aduaneiro  no rio Acre, como aspirava.
     Nem por isso deixou-se de ver o declínio do vertiginoso e aprazível auge da exportação  da borracha, gerador impulsionante da economia brasileira, no final do século XIX.
     Mas, de início, tanto a missão de D. Juan Velarde, em  Manaus, quanto a da expedição militar boliviana, em Xapurí, tornaram-se infrutíferas, em decorrência da posição do governador do Amazonas, Ramalho Júnior e respectivamente, da autoridade brasileira sediada no alto rio Acre.
     Ressalte-se que, por absoluta  ausência de rápidas comunicações, estabelecera-se um embuste de suposições e completo desconhecimento dos fatos. Nem o ministério boliviano no Rio de Janeiro sabia do ocorrido com a  Expedição  sob o comando de D. Juan Velarde chegada a Manaus, nem esta, por sua vez, nada sabia do que passava-se em Xapurí.
     Estava investido no cargo de Ministro Plenipotenciário da Bolívia, Don José Paravicini, conhecido como Diplomata frio, calculista e ambicioso.
     Quando soube do fracasso da Expedição em Manaus, respondeu que D. Juan Velarde  errara, evidentemente, por excesso de cortesia, pois não deveria  aquela autoridade  dirigir-se ao governador do Amazonas, por encontrar-se, como achava, em território boliviano, e precisaria exercer sua jurisdição como emanada da soberania da Bolívia. Continuando, diz D. Paravicini em seu expediente que “se houvesse qualquer dificuldade era com o Governo Federal  com quem devia entender-se”.
     O Itamarati, posteriormente, persuadido pelo plenipotenciário boliviano, resolve aquiescer e telegrafa ao governador do Amazonas, propondo a concordar na instalação do posto aduaneiro à margem do rio Acre e que o Ministério da Fazenda estaria autorizando ordens para que as Alfândegas de Manaus e de Belém recebessem os documentos expedidos por aquele posto, a título de justificativa de mercadorias em trânsito, como pleiteavam os  interessados.
     De posse do importante trunfo, o Ministro Don Paravicini, exultante, habilita-se para ele mesmo preparar e comandar nova expedição boliviana para ocupar o Acre.


     

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