sexta-feira, 15 de fevereiro de 2013


UMA VOZ ENTRE AS NUVENS 

José Augusto de Castro e Costa

 

      A aeronave já iniciava o taxiamento em preparação para proceder a decolagem quando sentou-se ao lado do velho Alberto  um homem de meia idade e, depois de cumprimentá-lo vaticinou, com certa naturalidade que “Deus é a força do mundo, que dá luz e brilho às estrelas e tem o poder mais profundo de dar forma às coisas mais belas”. E prosseguiu, falando que há também, no mundo, quem tenha bastante força  e grande poder, porém, de dar forma às coisas mais assustadoras, mais dolorosas, mais absurdas,   mais horripilantes. Quem? Provavelmente  aquele Força Negativa!

      Enquanto o homem falava, velho Alberto imaginava o fato de encontrar-se dentro de um avião, em voo diurno ou noturno, cercado de CBs, em terrível e tenebrosa tempestade, experimentando o tresloucado efeito  de descontroladas e  alucinadas turbulências indomáveis, constituir-se numa situação que, indubitavelmente, leva qualquer ser animado às mais desesperadas atitudes, próprias de sua insignificante pequenez, em busca encolerizada de livrar-se do que, em verdade, não é bom. Em tal circunstância, o apelo por socorro é desesperadamente gritante. Muitos vão ao nível do falecimento, passando antes pela sudoração.

 

     A humanidade tem assistido muitas situações desesperadoras, por completo. A muitos protagonistas dessas situações não foi concedido condição para contar a história sofrida. Suas almas não resistiram e retiraram-se.

      Já estando a aeronave posicionada em situação de voo cruzeiro, aquele companheiro de viagem passa a transmitir ao velho Alberto  curiosa apologia cristã, com referência à natureza humana, tomando por base a numerologia, esclarecendo-lhe  o profundo simbolismo que o número três exerce na história da humanidade.

     É interessante saber-se que o ser humano, diferentemente dos demais animais, é composto de três substâncias, a saber: corpo, alma e espírito. Quem dá vida ao corpo é a alma, sendo esta a promotora dos nossos estímulos, dos nossos anseios, dos nossos ânimos e desânimos e até dos nossos sentidos.

      Ao retirar-se, o corpo morre.

      A natureza espiritual do ser humano é formada pela alma e pelo espírito, os quais, enquanto estiverem no corpo humano são entrosados e inseparáveis, proporcionando-lhe a vida.               Portanto o ser humano é corpo, é alma e é espírito. Neste aspecto, o diferencial do ser humano é o espírito, o qual não é  encontrado nos irracionais.

 Velho Alberto sentia-se como que abastecendo-se  com o  que absorvia daquele companheiro de viagem, o qual lhe dizia que, sendo o ser humano  “espírito”, tem capacidade de conhecer Deus e ter comunhão com Ele, enquanto sendo “alma” tem conhecimento de si próprio e sendo “corpo”, é capaz de conhecer o mundo, através dos sentidos.

Dizia-lhe o desconhecido que o espírito pode conhecer o que a alma não conhece. Entretanto esta, através da razão, pode conhecer coisas, ao passo que o espírito pode discerni-las por intermédio da intuição.

 Dando prosseguimento ao argumento da  tripartição, dizia aquele passageiro que  cada parte do ser humano ainda divide-se em outras três, a saber-se:

 1º-  ao espírito pertencem :  a consciência, a comunhão e a intuição.

 2º- A alma é constituída de:  mente, emoção e vontade.

3º- O corpo é formado pelo que vemos:  cabeça, tronco e membros.

Simplesmente “todo ouvidos”, velho Alberto, quase em modorra porém entregue às surpreendentes  sugestões, nem se dava conta de questionar qualquer ponto do colóquio, muito menos saber dados daquele palestrante.

Apesar do envolvimento, percebe que a viagem está chegando ao seu destino, dado o início dos procedimentos característicos de diminuição de altitude que a aeronave passa a apresentar.

Velho Alberto ainda capta os últimos esclarecimentos, acerca da influência do número três na natureza humana  e seus respectivos significados.

Quando reconhecidas paisagens começam a ser visualizadas, velho Alberto, instintivamente, é levado a identificar possíveis pontos de seu torrão, mesmo diante do visível desmatamento. Observa um vasto campo aqui, uma pequena porção de floresta ali, raras lagoas tipo açudes adiante, até distinguir, quase no horizonte, a sinuosidade do estreito rio de água barrenta.

 Quando vê surgir a silhueta da cidade  velho Alberto volta-se para comentar com seu companheiro de viagem, o qual estava a erguer-se, juntando ao peito um espesso volume de um livro. Pode ainda perceber a boa aparência física do desconhecido, num traje de simples “blaser” em tom azul celeste, esboçando um modesto e singelo sorriso, para em seguida, sumir por completo, apesar de incessantes buscas empreendidas dali por diante.

Voltou a vista para a paisagem  que se descortinava através da janelinha da aeronave e não reconheceu praticamente nada do que avistava. Apenas identificava-se com as recordações vindas da infância, ao banhar-se nas águas barrentas daquele rio, frequentadas desde a praia da Base até ao Igarapé da Judia, pontos visitados no bojo de uma catraia alugada ao seu Eládio, ou ao Hugo, ou Caboré.

Ao preparar-se para o pouso, velho Alberto lembra-se, subitamente, do teor das palavras ouvidas por quase três horas de voo.

Lembrou-se, então, da natureza tripartite do ser humano e supôs que em alguma das três partes poderia encontrar-se a fé e definiu-a  como sendo a fundamento das coisas que se espera e a prova das coisas que não se vê.

E questionou, entre si: por que só os seres e as coisas têm o privilégio de existir, e logo a Deus isto é negado?!

 

 

 

 

 

 


 
     
     
    
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 



 

 

 

 

 

 

 

terça-feira, 5 de fevereiro de 2013


 
De Padre Juarez de Castro
ONDE ESTAVA DEUS DURANTE A TRAGÉDIA DE SANTA MARIA-RS?!?!

Minha sobrinha de 18 anos, a mesma idade daqueles que foram mortos nesta tragédia me perguntou à queima roupa: Tio, onde estava Deus na hora do incêndio?
Percebi um misto de revolta e respeito ao me questionar daquela forma. Na verdade ela não entendia porque Deus não havia feito nada afinal ela tinha aprendido, na catequese, que Deus estava ao nosso lado o tempo todo. A dúvida dela é a mesma de milhões de pessoas que ficaram perplexas diante das cenas que se repetiam na televisão. Corpos sem vidas sendo retirados daquele lugar. Jovens com seus futuros interrompidos por uma tragédia. Mas por que?
Em nossa visão achamos que Deus deveria ter feito algo e apagado o fogo ou, quem sabe, agido de maneira milagrosa para que as paredes da boate caíssem como caíram as muralhas de Jericó. Não, as coisas não acontecem dessa forma.
Ter Deus ao nosso lado não significa que não passaremos pelas dores ou momentos difíceis. A presença de Deus em nossa vida não nos isenta do sofrimento. Viver em Deus não é caminho largo sem dor. A dor e o sofrimento fazem parte da nossa vida por causa da nossa limitação, seremos livres deles totalmente quando, um dia, vivermos em Deus. Mas enquanto caminhamos nesta terra imperfeita e limitada estaremos à mercê do sofrimento e da dor. A diferença está em que aquele que vive uma vida na fé e em Deus encara e supera o sofrimento de forma diferente. O que vive pela fé não é vencido pela dor e pelas tribulações mas supera tudo isso porque Deus está ao seu lado. Aquele apóstolo também sentiu isso, ele não foi poupado do sofrimento, mas tinha certeza da sua vitória: “Em tudo somos oprimidos, mas não sucumbimos. Vivemos em completa penúria, mas não desesperamos. Somos perseguidos, mas não ficamos desamparados. Somos abatidos, mas não somos destruídos”. (2Cor 4,8-9). Ter Deus ao nosso lado não nos livra da dor, mas nos dá condições de superá-la.
Disse tudo isso à minha sobrinha que ainda permanecia em dúvida e retrucou: “entendi, mas por que Deus não fez alguma coisa para evitar aquilo tudo?”
Sei que esta é a pergunta que todos estão fazendo porque fomos criados pensando que Deus deve fazer tudo por nós. Felizmente não é assim. Digo felizmente poque Deus nos criou para que tivéssemos um relacionamento de amor com ele. Ele nos ama e nós o amamos. Ora, para que isso aconteça deve haver liberdade. Caso contrario não seria amor e sim pura obediência. Amamos a Deus com tanta liberdade que podemos até rejeitá-lo, caso seja essa nossa escolha. Por causa disso Deus não intervém na nossa história a todo momento. Fazemos o nosso caminho a partir daquilo que apreendemos do seu amor, temos a sua força que nos impele a superar os momentos difíceis mas não somos parte de um brinquedo de Deus, onde Ele controla tudo com um joystick como se fosse um daqueles joguinhos de computador.
Se acontecem tragédias, acidentes e ataques terroristas Deus não é o culpado. Até entendo que diante de uma falta de explicação para os fatos tentemos buscar um culpado e não achando ninguém culpamos a Deus. Mas as tragédias acontecem por negligência, por falta de responsabilidade ou porque não se observaram regras básicas de segurança, no caso, acender um artefato explosivo num ambiente fechado. Os acidentes são frutos do desgaste de peças e de falhas humanas e os ataques terroristas, frutos da maldade do coração dos homens. Deus não participa disso.
Mas onde estava Deus? É melhor que mudemos a pergunta pra “Onde está Deus neste momento?”
Deus está nas milhares de pessoas que são solidárias e rezam por essas familias. Ele está nas centenas de voluntários que se uniram para ajudar. Deus se encontra naqueles que entraram na boate, em chamas, para resgatar os que estavam ali. Deus permanece no coração daqueles que choram e ao mesmo tempo enxuga as lágrimas de um pai ou mãe inconsoláveis. Deus estará no coração de cada parente ou amigo daqueles jovens fazendo com que eles possam retomar as suas vidas. Deus estará na voz daqueles que irão denunciar as péssimas condições de segurança de locais semelhantes à esta boate para que outras tragédias não venham acontecer mais.
Deus deve estar em seu coração neste momento, para que você se una à essas famílias e reze por elas. Deus deve estar em seu coração, neste momento para que você procure alguém que esteja sofrendo para consolar e ajudar.
Deus pode fazer tudo, mas prefere fazer tudo através de você.

Padre Juarez Castro