quinta-feira, 13 de setembro de 2012


BRASILEIRO POR OPÇÃO-VIII

José Augusto de Castro e Costa

 

     No início de uma tarde o “Rio Tapajós” atinge sem novidade,  a confluência do rio Purus com o rio Acre  onde, segundo  a tripulação, distinguia-se  o barracão do conhecido cearense “Barão da Boca do Acre”, que marcava suas mercadorias com três  eles – L.L.L. – que significavam seu nome:  Lixandre  Liveira  Lima. Evidentemente  os bolivianos não  intuíram-se  da  esdrúxula  curiosidade.

     Prossegue o vapor  rio acima, impelido pela hélice,  já de onde os bolivianos  começariam a vislumbrar, não obstante o anoitecer, a imensa  planura de terra firme coberta de floresta, “habitat” natural  e abundante da  “Hevea Brasiliensis”, de látex farto e de boa qualidade, constituindo a grande riqueza da região.

     A noite, sob  um céu alegremente estrelado,  o “Rio Tapajós” chega à Vila do Antimarí, sede da Superintendência do Estado do Amazonas.

     No  navio as horas passavam preenchidas por certa celeuma que contrastava com a quietude  entorpecida da vila.  Paralelamente  ao aprovisionamento da expedição boliviana, não foram esquecidos instrumentos musicais, como Charango (um tipo de bandolim), a Zaponha, a  Quena e a Tarka (espécie de flauta) , a Huancara e a Caixa (percussão).  Mesmo sem a participação feminina, alguns sempre  ensejavam passos  da Cueca ou  Lhamero, ao som da melodia da Takirári, uma das mais populares canções bolivianas. Tudo isso regado  à famosa Paceña, que já existia desde 1877 e à  queimante Mocochinchi, uma cachaça que fazia cuspir fogo.

     Dom José Paravicini resolve então balançar a vila, precisamente na  véspera da  virada do ano de 1898, quando alguns, na calada da noite, ainda jogavam conversa  fora, regada a umas lapadas de Cocal  para uns,  Quinado ou Gin com Vermouth  ou a  cerveja  amazonense XPTO,  para outros.

     Tudo  ia bem mas  eis que estronda de repente, um pavoroso  e aterrorizante  estampido, de  fazer  tremer  nas árvores as mais  encravadas  arborícolas (preguiça),  elucidando  de súbito como seria  o Apocalipse. Houve até quem se  lançasse do assento, tal  a  intensidade  da grave detonação do apito do gaiola.

     Passado o susto, embora não ainda refeitos do  terrível sobressalto, os moradores da Vila Antimarí  certificaram-se que  aquela viagem do “Rio Tapajós” não se tratava de finalidade comercial, mas de objetivo  de estabelecer Posto Aduaneiro  nos rios Acre, Purús  e Iaco, inclusive tomar posse de um patrimônio, tudo isso com o descuidado  consentimento  do  Governo  brasileiro.

     Atordoadas, confusas, entontecidas com o alvoroço do inesperado acontecimento, as pessoas acorreram, instintivamente, ao  barranco, a fim de ver e entender a causa de tão estranho  escarcéu.

     Misturado com os demais habitantes, também atônito e surpreso, o advogado José de Carvalho, ao saber das primeiras informações de que  o vapor transportava  uma expedição boliviana, com a finalidade de instalar postos aduaneiros, estranhou não haver  recebido comunicação das autoridades brasileiras de Manaus.

     As palavras pronunciadas  em idioma desconhecido agravavam  a perplexidade. Quem fora despertado, não compreendia o pesadelo. Quem  tomara uns tragos a mais,  cismou  que talvez  bebera sem  moderação.

     A verdade é que a compreensão dos fatos  foi  a única ausente, na noite de 30 de dezembro  de 1898, na Vila do Antimarí.  Ainda mais pelo fato de o “Rio Tapajós” levar  pouco  tempo atracado, adicionado a falta de esclarecimentos  acerca da numerosa comitiva estrangeira que transportara.

     Como não havia nenhuma embarcação ancorada no porto,  Don Paravicini, ansioso  para por em prática seu propósito, mandou desatracar a embarcação e ordenou que o “Rio Tapajós” prosseguisse rio Acre acima. Acabara de tomar ciência de que  umas duas dezenas de navios haviam subido naquela direção e todos, evidentemente, deveriam retornar  superlotados de  borracha, o que proporcionaria uma excelente arrecadação para o recém fisco  boliviano.

     Enquanto  não fora estabelecido a base para a instalação do Posto alfandegário, o devido expediente neste sentido seria  efetivado  no próprio navio.

     Em 3 de janeiro de 1899 D. José Paravicini funda, literalmente, a localidade denominada “Puerto Alonso”, em homenagem ao Presidente da Bolívia,  Don  Severo Fernandes Alonso, hasteando pela vez primeira o pavilhão boliviano.

     O espírito de audácia do conquistador boliviano refletiu-se de imediato, numa região de espessa  floresta, praticamente impenetrável  em  muitos pontos, rica em árvores colossais, onde destacavam-se as nativas seringueiras, castanheiras, cumarus, louros e muitas e muitas outras, símbolos  de economia que ajudaria a fixação do homem à terra.

     Tão logo aprovou  a localização para sua base, D. Paravicini dividiu sua expedição em grupos destinados aos afazeres – de desmatamento, de construção e de burocracia.  A prioridade para a efetivação dos trabalhos continuaria sendo a arrecadação de impostos. Para tal, o “Rio Tapajós” seria utilizado como posto alfandegário ambulante.

     Enquanto as devidas providências eram  tomadas em terra, inclusive com a participação de alguns habitantes da redondeza, o vapor deslocara-se  rio acima e logo ao completar uma curva,  é avistado, encalhado num baixio, o vapor “Franklin”, no qual achavam-se duas autoridades amazonenses – O Juiz de Direito da Comarca e o Superintendentes da Vila  Antimarí, Coronel Francisco  Monteiro de Souza Júnior.

     As autoridades brasileiras estranharam  o pavilhão boliviano tremulando no mastro de um navio brasileiro. Maior impacto tiveram quando  do “Rio Tapajós”, ao aproximar-se,  apresentaram-se um grupo de estrangeiros, ocasião em que D. Paravicini, em aparente autoritarismo, dera conhecimento   a todos, do propósito que o levara àquele lugar, informando-os, sobretudo   do encerramento  das atividades  atribuídas aos brasileiros naquela região, passando todos os encargos  para a responsabilidade da Bolívia.

     Sempre tocado  pelo sentimento  de patriotismo, D.Paravicini  julgava estar na Bolívia, motivo pelo qual  experimentava a alegria de navegar e pisar em território pátrio, após inúmeras  contrariedades  vividas  na empreitada a que propusera-se.

     Em aditamento  ao objetivo da ocupação,  a autoridade boliviana cientificara   ao Comandante do “Franklin”,  Tenente –honorário  Joaquim  Sarmanho, acerca  da instalação do posto alfandegário, entregando-o a notificação para o devido pagamento , tão logo descesse o rio, com destino a Manaus.

        

         

 

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