BRASILEIRO POR OPÇÃO-XXV
José Augusto de Castro e Costa
O desenrolar da vida acreana, no início do século XX, girava
em torno da única produção exportável e exclusiva fonte de riqueza, que
figurava como dinheiro no ajuste das transações.
Eram assim, os proprietários dos seringais, os verdadeiros
magnatas da terra, medindo-lhes a importância pela tonelagem do produto
exportado. Seus serviços e suas preferências eram disputados entre os comerciantes, os profissionais
liberais, os intelectuais e os artesões,
que formavam as sociedades das vilas
ribeirinhas, em consequente intercâmbio com os grandes e pequenos seringais.
Todavia, as raízes da riqueza do Acre eram os seringueiros,
verdadeiros heróis, modestos e desconhecidos, empenhados em um trabalho
desmedido, a demandar muita coragem e
bastante resistência.
Entre os proprietários acreanos figurara, durante um período
curto de pouco mais de três anos, o
coronel José Plácido de Castro, em seu seringal “Capatará”, que, igualmente ao seringal Itu, eram os únicos que apresentavam, em meio a
mata sem fim, grandes clareiras de campos naturais, posteriormente
transformados em pastagens de engorda do gado procedente da Bolívia, donde
chegava depois de imensa e aniquiladora travessia de floresta virgem.
Consta que, para desbravar o seringal Itu, seu proprietário, coronel Honório Alves
das Neves, ali fizera um grande plantio de macaxeira e, para aproveitá-la,
montara um aviamento de fazer farinha.
Havendo por essa ocasião, no Acre, grande falta desse
produto, Plácido de Castro sugerira, em carta a Honório, para fabricar farinha em grande quantidade que
ele, Plácido, compraria toda a produção por sessenta mil réis o paneiro de
trinta quilos. Honório respondera ao
vizinho que todo o mandiocal ou macaxeiral e a fábrica de aviamento estavam à
sua inteira disposição, podendo fazer toda a farinha de que necessitasse, nada
lhe custando e, ainda, se alguma coisa lhe sobrasse, ele, Honório, pagaria a
sessenta mil réis o paneiro.
A intenção de Plácido de Castro era, aliado ao desejo de
fortuna, empreender desenvolvimento ao Acre, levando progresso à parte que lhe
coubera.
No período áureo da borracha, era notável a prosperidade e o
desenvolvimento urbano de Sena Madureira, Xapurí e Villa Rio Branco.
Plácido de Castro, servira-se da oferta de seu vizinho
Honório Alves das Neves, relativo à fabricação de venda de farinha de mandioca,
e investira também na aquisição do gado bovino, produto inexistente naquela
região, mas que poderia ser comprado na Bolívia.
O Caudilho, não obstante sua luta para expulsar os bolivianos
do Acre, mantivera bons relacionamentos com as autoridades e representantes de
classes produtoras e conservadoras daquele país, o que o levara a abrir varadouro,
rompendo a floresta desde seu seringal,
na margem do rio Acre até às ribanceiras do rio “Madre Dios”, em Riberalta, de
onde passara a trazer, depois de compradas, grandes manadas de bois, vacas e
bezerros, para ocupar os dilatados
limites de cem quilômetros de fundos do “Capatará”.
A partir daí, a população acreana passara a alimentar-se de
carne verde de gado, beber leite fresco, lambuzar bolachas com manteigas também
frescas e saciar-se com deliciosas coalhadas e saborosos queijos.
Todavia, politicamente, os Departamentos acreanos, até 1920,
viveram momentos dramáticos de lutas pela criação de um Estado do Acre
autônomo, dentro da Federação brasileira.
Nos Departamentos do Alto Purus e Alto Juruá, a insurreição
autonomista fizera-se com maior exaltação,
onde destacaram-se as inflamações de João Bussons, Francisco Freire de Carvalho e Mâncio Lima, pelo Juruá, distinguindo-se no
Alto Purus, Tristão de Alencar Araripe, Antonio Pinto do Areal Souto, Custódio
Freire e Flávio Batista.
No Alto Acre o que se desenrolara em proporções extremadas,
fora uma preocupante rede de intrigas que se fomentara entre Plácido de Castro
e os meios militares, criando injustas rivalidades e ciúmes pueris.
Com a afluência de novos elementos e a fundação de jornais e de
lojas maçônicas, intensificaram-se as competições políticas e rivalidades
sociais, a que as pessoas eram insensivelmente arrastadas, por influência do
meio, ou por simples companheirismo.
O prefeito Gabino Bezouro fora, então, fatalmente induzido a
hostilizar o libertador do Acre, o que, de alguma forma, viera surpreender, de
vez que as referências davam aquele oficial como pessoa culta, de rígida
envergadura moral e homem de honestidade reta.
As qualidades morais de alguns membros que interagiam com Gabino
Bezouro, no entanto, pelo fato de constituírem-se do antônimo das referências
do prefeito, deixavam muito a desejar, além de perigosas.
Há relatos de que, em 14 de julho de 1908, chegara à Empresa, a cavalo, Genesco de Oliveira Castro, irmão de Plácido
de Castro e seu sócio no seringal “Capatará”. Depois de tratar de seus negócios
e de jantar no Hotel “24 de Janeiro”, fora dormir em casa do Dr. Leorne
Herbster Menescal, ilustre e conceituado médico cearense que ali clinicava.
À meia-noite, fora cercada a casa por uma tropa composta de
soldados do exército e de capangas do coronel Alexandrino José da Silva,
Subdelegado de polícia, figurando, ainda, na tropa, os tenentes Álvaro Conrado
Niemeyer, Figueiredo Aranha e Luiz Sombra.
Sendo preso, Genesco Castro fora levado, altas horas da
madrugada, à presença do prefeito Gabino Bezouro, que só achara para dizer-lhe,
como justificativa da prisão, que ele entrara na cidade disfarçado,
simplesmente porque usava um uniforme “azulão”, que fora adotado pelo exército
acreano.
Genesco Castro só não fora desfeiteado na Prefeitura de
Empresa, como propusera o tenente Aranha, porque a isso viera a opor-se ,
decisivamente, Augusto Alves da Silva Bacurau, um bravo e nobre cearense, que
então se achara a serviço do Prefeito.
No dia 17 de julho, pela madrugada, um pelotão de praças do
exército, comandado pelo tenente Aranha e um grupo de capangas chefiado pelo
coronel Alexandrino, atacaram o barracão de José Maria Dias Pereira, no
seringal “Riozinho”, que só escapara
porque achara-se ausente.
Em face dessas e outras provocações, Plácido de Castro
resolvera armar o pessoal em “Capatará” e em “Bagaço”, fato que viera assustar
e apavorar o Prefeito, a ponto de, não obstante ser um coronel do exército
brasileiro, encher a casa de gente armada, colocando uma metralhadora em cada
porta, para garantir sua segurança.
No dia 8 de agosto, Plácido de Castro dirigira-se à
Empresa para tratar de negócios,
inclusive receber cópia do registro do Contrato de compra do seringal
“Capatará” e da Declaração da constituição de sua firma.
Durante uma rápida refeição no Hotel “24 de Janeiro”,Plácido
fora informado por um dos donos do estabelecimento, Antonio da Silva Rabelo, de
que Alexandrino, embriagado, ali estivera em companhia do tenente Luiz Sombra e de alguns capangas, bradando que “o
Prefeito lhe dera carta branca para liquidar
o pai do Acre, contando que fosse fora da cidade”.
Ao meio dia, Alexandrino com seu
bando foram vistos retirando-se da Empresa demonstrando atitudes estranhas.
Á tarde, partiram de regresso Plácido
de Castro e seu irmão Genesco, acompanhados do Promotor Público, Dr. Barros
Campelo e do advogado José Alves Maia, que foram convidados para repousar nos
campos de Esperança, em “Capatará”.
Em vista de seus companheiros não
possuírem hábitos de viagem noturna, o grupo decidiu pernoitar em frente ao
“Riozinho”, prosseguindo na manhã seguinte, pelo estreito caminho, subindo a
margem direita do rio Acre, ligando os seringais “Riozinho”, “Benfica” e
“Capatará”.
Logo após atravessarem o igarapé
“Distração”, por volta das oito horas da manhã, na altura do barracão de propriedade de Alexandrino, “Flor
de Ouro”, situado à margem esquerda do rio, Plácido defrontara-se com a
emboscada, que o aguardava.
Primeiro, dois tiros, um de Mannlicher, outro de Rifle 44,
atingiram o Caudilho no braço esquerdo e no dorso, arrebentando-lhe as duas
últimas costelas esquerdas, para, em seguida, disparar uma intensa fuzilaria, mas que não mais o alcançara.
Nesse rápido instante, Plácido dissera que pode distinguir Alexandrino, Preto
Eugênio e Miguel Mateiro.
Foi em uma rede que Plácido de Castro
chegara ao seringal “Benfica”, de João de Oliveira Rôla, onde, apesar de cuidadoso
tratamento, viera a falecer às dezesseis horas do dia 11 de agosto de 1908.
Consta que tomaram parte na referida
tocaia quatorze pessoas que dali retiraram-se, como fora logo depois
verificado, por uma picada que iria sair diante a margem esquerda do rio Acre,
em frente ao barracão Flor de Ouro, de Alexandrino. Dentre eles foram
reconhecidos Alexandrino José da Silva, Miguel Mateiro, Eugênio França e Luiz
Paulo.
Não ocorrera nenhuma prisão, nenhum
inquérito, tendo prescrito o nefando assassinato na mais completa impunidade.
Desse vergonhoso desfecho partiram muitas acusações ao Presidente
Afonso Pena, de vez que, quando a imprensa carioca, especificamente o “Correio
da Noite”, em verdadeiro clamor, pedia a severa punição dos culpados e exigia o
afastamento do prefeito Gabino Bezouro, o “Jornal do Comércio, de 18.9.1908,
publicara a seguinte nota: “Estamos autorizados a declarar que o Governo nao
chamará o prefeito do Acre a esta capital, porque lhe merece inteira
confiança”.
Assim, o coronel Gabino Bezouro
continuara intimidando os opositores e forçando grande número de amigos de
Plácido de Castro a deixar o Acre, depois de intimados pela vitoriosa e
prepotente camarilha do Prefeito.
Em l3 de maio de 1909 o coronel
Gabino Bezouro mandara ocupar, sem indenização o campo do seringal Empresa, da
firma A.Barros & Cia e ali inaugurara a cidade de “Penápolis”, situada à
margem esquerda do rio Acre, defronte à antiga cidade da Empresa.
A 15 de agosto de 1909, Gabino
Bezouro passara o cargo de prefeito ao coronel Francisco Simplício Ferreira da
Costa, que o apoiara, com gente armada, por ocasião dos trágicos dias de setembro
de 1908.
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