BRASILEIRO POR OPÇÃO-XIV
José Augusto de Castro e Costa
Há poucos dias à frente
dos destinos do Estado Independente do Acre, o Coronel Antonio de Sousa
Braga, demonstrara hesitação em permanecer no propósito a que se dispusera, em
razões de interesses comerciais, incentivado que fora por comandantes de navios
e outros seringalistas.
A fraqueza e indecisão do Coronel Souza Braga acentuara quando tomara
conhecimento de que um grupo de bolivianos, chefiados por Ladislau Ibarra, estaria
viajando para Puerto Alonso, acompanhado
de uma força naval brasileira, com a disposição de reivindicar o Governo da Bolívia.
A comissão de bolivianos comandada por Ladislau Ibarra chegara a Puerto Alonso e encontrara uma
cidade fantasma, uma vez que toda a sua administração encontrava-se no Alto Acre. Subindo o rio até
Humaitá Dom Ladislau Ibarra resolve decretar estado de sítio suspendendo todas as garantias
constitucionais em toda a região e nomeia-se administrador da alfândega de
Puerto Alonso e encarregado da Delegacia Nacional boliviana.
Desacompanhados da força naval brasileira que ficara em
Manaus, porém resolvidos a empregar a força, os bolivianos, ao encontrar o
navio em que estava o Coronel Sousa Braga, promoveram grande fuzilaria que foi
respondida pelos brasileiros, até surgir, quinze minutos depois, uma bandeira
branca, denunciando a capitulação dos comandados por Dom Ladislau Ibarra. Registra-se,
por assim dizer, o primeiro confronto armado entre brasileiros e bolivianos.
Pressentindo maiores e mais graves embaraços o Coronel Sousa
Braga avaliara, por bem, devolver o governo do Acre a Dom Luiz Galvez, fato que
deveria ocorrer através de sua renúncia “por motivo de saúde e negócios particulares”,
a 30 de janeiro de 1900, um mês após a deposição do espanhol.
Dom Galvez retornara
com a mesma disposição, reorganizara seu gabinete, expedira ordens e
rapidamente seu Governo realcançara sua força vital. Entre as primeiras
providências constaria enviar um representante do Estado do Acre para, junto ao
Presidente Campos Sales, expor os
motivos que os acreanos alegavam em
defesa de sua atitude revolucionária, perante a Bolívia, inclusive dando
ciência acerca dos últimos
acontecimentos desenrolados naquela região da Amazônia.
As manifestações em Manaus, no entanto, prosseguiam sempre
tomando elevadas proporções e graduando
a subida da temperatura emocional, não apenas dos ativistas como dos
observadores.
Com efeito, o Presidente da República recomendara ao
Governador do Amazonas providenciar uma reunião entre todas as autoridades
executivas, legislativas e judiciárias locais, com o fim de acertar medidas
destinadas a reprimir o movimento separatista do Acre, deixando livre o território para o domínio da Bolívia. Todas as
medidas deveriam ser tomadas sem o menor derramamento de sangue.
Com a concordância de todos os participantes, ficara
estabelecido que a operação seria levada
a efeito através de uma flotilha, constituída de três pequenas lanchas
militares mais o vapor “Belém”, fretado pelo Governo do Amazonas, partindo para o Acre, em missão pacificadora,
levando 112 militares, entre soldados e
oficias. A ordem permaneceria não
empregar armas contra os brasileiros que lutavam pela incorporação do Acre ao
território nacional. Assim prontificara-se a fazer-se, conforme o plano do
Governo Federal.
Segundo registros do governador Ramalho Júnior e do Tenente
Burlamaqui, da Marinha brasileira, os expedicionários seguiram para Puerto Alonso, ali chegando na
mais perfeita tranquilidade, sendo o oficial
imediatamente recebido pelo Presidente Galvez, para transmitir-lhe o
objetivo de sua missão.
Segundo versões do
próprio militar, Dom Luiz Galvez ouvira silenciosamente as palavras do
comandante da operação para, em seguida, diplomaticamente, expor os motivos da
sua revolução, argumentar o que já houvera manifestado e proclamado, salientar
sua obediência à intimação do Presidente
da República e, finalmente, perguntar sobre quais as garantias que o governo
ofereceria ao grande número de brasileiros envolvidos naquela insurreição, da
qual considerava-se o único responsável. Ali deixara prédios, materiais,
mercadorias, armas e munições, frutos do esforço de cada acreano, muitos
inclusive de nascimento. Lembrara Dom Galvez que os habitantes da região
acreana almejavam ser brasileiros e o Brasil
não deveria ignorá-los, obrigando-os a reconhecerem outra pátria, outros
costumes, outra língua, outra honra.
Em seguida retirara-se para dar ciência dos fatos a seu secretariado
e demais colaboradores e pedir a
manifestação particular a respeito de sua deposição, tendo todos aprovado sua
atitude.
Estabelecidas as bases de sua rendição em face da
concordância das argumentações apresentadas aos militares brasileiros, Dom Luiz
Galvez elaborara uma carta ao Tenente Armando Burlamaqui, na qual, considerando os intuitos do Governo
Federal em respeitar o acordo com a
Bolívia, resolve depor suas armas e
entregá-las ao Comandante da Flotilha do Amazonas e Chefe das Forças
Brasileiras em Expedição.
Há controvérsias sobre a rendição do espanhol, segundo suas
memórias.
Dom Galvez, deposto e prisioneiro sob palavra, passara a observar, calmamente o desenrolar dos
acontecimentos, enquanto aguardava o dia da partida. A um repórter do jornal “A
Província do Pará” que encontrava-se presente, como passageiro do vapor “Belém”, fora fazendo suas confidências... diversa das que faria 45 anos depois.
O repórter do jornal paraense constatara que a administração
de Galvez apresentara proveito para
Puerto Alonso, transformada que fora em bela e asseada, com casas bem
construídas. Por extensão o referido jornalista considerara que o contingente
armado, sob as ordens de Galvez, importaria em 800 unidades, munidos de fuzis, rifles e
espingardas. Destacara, ainda, que Puerto Alonso possuíra um estoque de gêneros alimentícios
satisfatório para o consumo durante dois
meses, além de uma farmácia bem abastecida.
Já o Tenente Armando Burlamaqui, em suas recordações,
registra, textualmente, que “é desolador o momento, e o quadro se grava
indelével em nosso espírito, como que se sempre estivesse em frente de nossa
vista uma palheta viva da cena”.
A deposição de Dom Luiz Galvez ainda guarda pontos
controvertidos, que jamais serão devidamente esclarecidos.
Sabe-se que, afinal, demonstrando uma vez mais seu apreço
pelo espanhol, o governador Ramalho Junior proporcionou-lhe meios pecuniários,
de maneira que pudesse regressar à sua pátria natal.
De volta a Cadiz, aos 86 anos de idade, 45 outonos depois, o
velho aventureiro decidira escrever suas
memórias, certamente recheadas de
exageradas utopias e algumas tolices,
tais como foram seus primeiros quarenta
anos de existência.
Antes, porém, ao agradecer ao governador Ramalho Junior, em
carta procedente de Recife, Dom Luiz
Galvez despedira-se, satisfeito por entregar a região acreana ao Brasil, seu país por adoção, e,
textualmente, “levando no coração felizes recordações e tranquilidade por
jamais entregar o Acre à nossa natural inimiga, a República da Bolívia”.
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