BRASILEIRO POR OPÇÃO- XI
José Augusto de Castro
e Costa
As denúncias
propagadas em folhetos, por José Carvalho e periódicos amazonenses, atreladas à
prepotência, autoritarismo e desrespeito procedidos pelo Ministro José
Paravicini no rio Acre, teria
repercussão desastrosa para a Bolívia, em Manaus, Belém e no Rio de Janeiro - Distrito Federal.
A propagação
referia-se ao decreto expedido pelo autoritário boliviano, como delegado de seu
governo, abrindo os rios brasileiros à
navegação dos países amigos da Bolívia,
em detrimento do Brasil, incitando navios estrangeiros a violarem a soberania
territorial brasileira.
Funcionários brasileiros,
como o Chanceler Olinto de Magalhães, posicionaram-se contra as medidas bolivianas, argumentando que
o Brasil jamais permitiria que navios
estrangeiros navegassem pelas suas águas
para Puerto Alonso.
Os
precedentes relacionados à história
acreana são recheados de perplexidades, com fatos ligados e entrelaçados como
teias de aranhas.
Enquanto os
ânimos nortistas manifestavam-se em
pública e notória ebulição, eis que surge, no Cais de Belém, como num passe de
mágica, sem ninguém esperar, uma canhoneira americana, denominada “Wilmington”. Até aí corre tudo com certa naturalidade de aparente
visita turística.
Em Manaus, porém, transgredindo normas, o comandante da canhoneira tomara a
decisão de, sem autorização do governo brasileiro, partir do cais a noite, de
maneira evasiva, com os faróis apagados e
dirigir-se ao rio Solimões, subindo
até ao município amazonense de
Tabatinga e, posteriormente, a Iquitos, no Perú.
Ao retornar, o
comandante da canhoneira teria sido alvo de severas críticas relativas à sua
conduta, provocando comícios públicos e
condenação geral pelo atrevido procedimento.
Encontrara-se em
Belém, quando da chegada da belonave americana ao porto paraense, um “freelance” espanhol,
interessado em produzir reportagens acerca da instalação da alfândega em
Puerto Alonso. Trata-se de Dom Luiz Galvez Rodrigues de Aria.
Nascido em Cádiz,
Espanha, a 20 de fevereiro de 1859, filho do Almirante da Marinha Real,
Fernando Luiz Galvez Concepcion de Aria e de Rosaura Rodrigues de Aria, de
prendas domésticas, Dom Luiz Galvez, talvez seduzido pela imensidão da baía de
Cádiz, vista do mirante de sua residência, cedo começara a viajar pelo mundo.
Aos vinte anos de
idade fazia o curso de Ciências
Jurídicas e Sociais e complementava os
estudos aprendendo conversação em
inglês, francês e português, o que viria dominar com desenvoltura e
imperceptível sotaque. Passou a
juventude boêmia, andando com os guitarristas pelas bodegas do Alcazar, uma
mocidade de modo tradicional, entre vinhos, mulheres, feiras, danças flamengas,
porém sem descuidar-se dos estudos.
Em 1889 estava servindo na diplomacia
espanhola em Roma, seguindo daí, três anos depois, para Paris, a cidade Luz,
que encontrara-se sacudida por atentados anarquistas. Posteriormente fora designado para
servir em Buenos Aires,onde, em 1896,
viria envolver-se em um assassinato, quando, por questão passional, fora levado a um duelo, ocasião em que tirara a vida do
duelista adversário, que por sinal seria irmão de sua namorada.
Demitido do corpo
diplomático espanhol, Dom Luiz Galvez
fora obrigado a abandonar a Argentina em quarenta e oito horas. Em 1897 chegara a Belém, onde permanecera até 1898.
A passagem de ano de 1898 para 1899 fora comemorada num vapor, em frente
à cidade de Parintins, no Amazonas, depois de Dom Luiz Galvez envolver-se em flagrante com
uma freira, numa efetiva copulação , quando viajava como clandestino, em um barco fretado por
religiosos, fazendo o mesmo trajeto Pará-Amazonas. Escandalizados, os superiores sacerdotais desembarcaram os dois em Santarém,
de onde prosseguiriam em outro vapor
para Manaus.
O retorno de Dom Luiz Galvez a Belém prendia-se, em
princípio, em obter uma entrevista substanciosa com Dom José Paravicini, que
ainda encontrara-se na capital paraense
com destino ao Rio de Janeiro, sobre suas atividades em Puerto Alonso e
a consequente instalação do posto alfandegário
para fiscalizar e cobrar tributos nos rios brasileiros.
As repercussões
da questão do Acre condimentadas com a
afronta gerada pelo comandante da canhoneira
americana, “Wilmington”, já
constituíam ótimos ingredientes para
aguçar o espírito agitado e de controvérsias, bem ao agrado do aventureiro.
Envolvido nos
dois assuntos, que por sinal eram os que propalavam-se nos quatro cantos
das duas capitais amazônicas, a vida de Dom Luiz Galvez era bem ao seu gosto, de cabarés a refinados salões, de humildes cafés a requintados banquetes.
Colhendo
informações, umas aqui outras ali, o irrequieto
espanhol vai exercendo sua
atividade de “freelance”, sempre
relacionando seus contatos aos seus
objetivos. Entre seus interlocutores, Dom Luiz Galvez cultivara maior aproximação a um patrício seu que prestava serviços ao Consulado boliviano. Trata-se de Guilherme Uhtholf, que exercera a
função de Comandante-Geral da fronteira em Puerto Alonso, e acompanhante do
Ministro Paravicini.
Dom Luiz Galvez,
além de atuar como “ freelance” para jornais paraenses também logrou
espaço para prestar assessoria no Consulado da Bolivia, graças ao
seu preparo intelectual e a irmandade do
idioma. Dada a intimidade dos dois espanhóis, Dom Galvez ficou sabendo que o
Ministro José Paravicini estaria tratando, secretamente, de celebrar um acordo
com os Estados Unidos, tendo encarregado a Guilherme Uhtholf de estabelecer as
bases e apresentá-las ao cônsul americano. Tal documento deveria seguir para
Washington pela canhoneira “Wilmington”, ancorada no porto de Belém, de regresso de sua
clandestina e acintosa viagem por águas brasileiras até a fronteira com o Perú,
sem permissão do governo brasileiro.
Em Manaus haviam-se
iniciado as manifestações de rua,
levadas a efeito por estudantes e populares, refletindo um sentimento generalizado de defesa do patrimônio ameaçado
por bolivianos intrusos ,usurpadores, considerados nocivos e perigosos para a integridade nacional.
O governo do
Amazonas fez chegar às mãos do
Presidente Campos Sales uma longa exposição dos fatos que se passavam no Acre,
assim como as visíveis consequências da perda da região para a Bolívia. No
citado documento enviado ao Presidente da República, o governo amazonense
insinuara a possibilidade de eclodir, a qualquer instante, um movimento
armado.
O Presidente
Campos Sales não tomou a mínima providência, muito menos deu conhecimento a seu “staf” do conteúdo do documento.
Já introduzido no
mundo social e jornalístico de Belém, inclusive participando da assessoria do
consulado boliviano, Dom Luiz Galvez interessara-se em obter acesso ao teor do plano, cujas bases consistiriam em
que os Estados Unidos auxiliariam a
Bolívia para conservar sua soberania ao
longo dos rios Purus, Acre e Iaco,
mediante concessões aduaneiras e territoriais, com o agravante do fiel compromisso americano em fornecer amparo financeiro e pesado armamento como
precaução, à vista eclodir uma guerra entre Brasil e Bolívia.
Na qualidade de
detentor de fluente conhecimento da língua inglesa, Dom Luiz Galvez
oferecera-se para preparar a
devida versão do aludido documento para
o inglês, no que foi aceito.
Durante o transcurso da versão o espanhol percebeu que estava diante de um assunto que contrariava bastante os interesses
brasileiros. Denunciar aos quatro cantos
um trágico plano, digno de uma condenação pública é, de certa forma compreensível
. Entretanto , assumir atitudes ao ponto
de trair seus atuais patrões, detentores de seus próprios princípios, inclusive
a fraternidade da língua e postar-se,
não só na defesa de uma pátria que acabara de conhecer, mas promover e comandar a expulsão dos invasores,
é um procedimento de difícil
compreensão. Pois ocorrera desta forma: Dom Luiz Galvez exonerara-se
da assessoria ao consulado da Bolívia e regressara a Manaus, onde
publicara reportagens sobre a ocupação
intempestiva dos bolivianos, enquanto era revisto e estudado, para uma
perfeita interpretação o texto do
Tratado de Ayacucho. Adicionara às denúncias,
o caso da canhoneira americana e, sobretudo, o plano da intervenção
diplomática e armada americana ao longo dos rios acreanos, em favor da Bolívia.
A fronteira não estava ainda determinada e
somente em 1895 os governos do Brasil e da Bolivia deram início à
negociação neste sentido. Há quase
trinta anos os brasileiros ocupavam, de maneira efetiva, os rios Purus, Alto
Acre e Iaco. Fundado nesta ocupação, possuía o Brasil, independente de qualquer
outro título, o ‘UTI POSSIDETIS’, um
princípio do Direito Internacional.
Seria esse
princípio jurídico internacional o argumento
a justificar o posicionamento de
um espanhol, residente há apenas dois anos, de
defender a soberania de um país
totalmente estranho, no que concerne às
estações climáticas, aos costumes , à língua e gírias diversificadas, a tudo
afinal? Quando da apressada fuga de Buenos Aires, o
espanhol pensara em seguir para a India, estabelecer-se em
Macau ou viver na Indonésia. No Rio de Janeiro, porém , um compatriota seu, de Bilbao, convencera Dom Luiz Galvez a vir para a Amazônia, pois
houvera ficado milionário no Amazonas.
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