BRASILEIRO POR OPÇÃO-XIII
José Augusto de
Castro e Costa
Era intuito de Galvez integrar-se à sociedade acreana,
revestir-se do pensamento do povo brasileiro e irmanar-se na conquista de um
bem aspirado. Tanto que refere-se ao
direito fundado na posse de toda a região consagrada pelo trabalho e pelo
sangue generoso do irmão seringueiro, para, ao final, arrematar:”Não aceitamos a bruta desnacionalização.
A pátria abandona-nos. Nós crriamos outra. Entre o Brasil e a Bolívia os brasileiros
não podem vacilar e já que não podem ser brasileiros, resolveram não ser
bolivianos”.
Teria sido esta a primeira opção daqueles heroicos
brasileiros, em clara demonstração de que estariam expulsando a quem lho tomara um bem, e não
tomando um bem de quem lho expulsara.
Há entretanto, relatos de que, no início, a conduta
extravagante de Dom Luiz Galvez viria despertar o espírito dissidente, de
alguns seringalistas e, justamente, de
uma das revolucionárias mais ativistas, que o influenciariam e o estimulariam a
levar a efeito ao então empenho utópico.
A ex-freira Joana, que após deixar os votos religiosos passou a dedicar-se ao magistério, no sentido de expandir o conhecimento da cultura brasileira, a
partir do interior amazônico, onde ela esperava tornar-se mais útil,
decepcionou-se ante o modo
como aquele espalhafato demagógico, com comemorações intermináveis,
regadas a muita bebida alcoólica, muitos doces e muitos leitões, revelava-lhe
uma ideia fantasiosa da base que se
instalava naquele Império.
Ausente às volúpias do Império, Joana passara
a dedicar-se em organizar escolas e criar centros recreativos ao longo
Acre, inteirando-se dos problemas e buscando as devidas soluções, o que viria a
conquistar a simpatia e confiança da população.
Contudo, ainda em meio às comemorações excessivas,
refletidas pelos corpos empilhados
uns sobre os outros, abatidos pelas desenfreadas bebedeiras, ia-se
compondo a administração do Império com a criação de Ministérios, sendo alguns
ocupados por ilustres desconhecidos possuidores de alguma formação, porém sem
condições para a devida estruturação. Em
meio à contagiante empolgação, o poeta
Taumaturgo Vaez, viu-se inspirado para escrever um grande poema sobre a
conquista e fundação do Império do Acre, onde destaca-se a estrofe:
“ Venho mesmo não sei
de que Degredo
Improvisando altares no
caminho,
A rezar, de olhos fitos
no arvoredo,
Missas negras sem
hóstias e sem vinho”.
Ao avistar um grupo de francesas banhar-se num igarapé,
registraria o poeta em seu caderno de notas:
“ e ali estavam num feminino alarido de náiades em luxuriante cenário de
verduras e água cristalina”.
A orgia desenfreada adicionada ao desequilíbrio
administrativo e social sinalizavam o
breve desmoronamento do Império acreano que aproximava-se
vertiginosamente.
Consta que a ex-freira Joana, entre
suas diligências, empenhara-se em
transformar os centros recreativos em
organismos paramilitares. Para tal, requisitara, com certa frequência,
armamentos com munições, com o pretexto de condicionar o pessoal visitado para o exercício da caça e defesa de
predadores.
Ao retornar do Alto Acre
Joana daria conhecimento ao Imperador Dom Luiz Galvez de um possível levante contra seu governo, organizado pelo
seringalista Neutel Maia, aliado dos bolivianos.
A notícia, por certo, não abalara
a postura imperial bizarra de Dom Galvez, insensível ao pressentimento de que seu Império começava
em entrar em crise, que prosseguia
com o absurdo surrealismo de concretizar projetos utópicos, sonhados por
si e por seus ministros, agentes de mirabolantes ideias irrealizáveis com a volúpia
imaginativa do “ vira-vira-virou”!!!
Passados cinco meses de governo, preparava-se Puerto Alonso para
as comemorações para a chegada do Ano Novo de 1900. A
preocupação do Ministro da Cultura,
François Blangis seria sanar algumas irregularidades acreanas, tais como o racionamento de bebidas, pedindo um imenso carregamento de vinhos, champanhes, whiskie, aguardentes
e, evidentemente, o xerez exclusivo do Imperador.
A programação para o dia 31 de dezembro constava de um grande desfile alegórico, que
contaria aos súditos seringueiros os
principais momentos da história do mundo, quando carros e figurantes, artistas
fantasiados, viveriam os tempos da Grécia, Roma, as maravilhas de Luiz XV, a
Revolução Industrial, a Queda da Bastilha e, claro, o Grito do Ipiranga.
Uma semana antes, porém, na orgia
comemorativa do Natal, alguns importantes seringalistas compareciam ao barracão do Coronel Pedro Paixão, antes da
ceia, para uma reunião política, na qual
o Tenente Burlamaqui colocar-se-ia à
disposição para por fim na desordem que campeava Puerto Alonso, prometendo derrubar o infausto Império de Dom Luiz Galvez.
Uma semana depois o Tenente Burlamaqui desembarcaria com as tropas contra-revolucionárias e no
caminho para o Palácio, que seria cercado, iria recolhendo os embriagados e
desgarrados, que seriam amarrados e amontoados no trapiche.
Ao proceder ao cerco do Palácio,
os contra-revolucionarios do Tenente deveriam ser rechaçados pelas tropas da
ex-freira Joana que, armados, que tentariam reagir, mas por pouquíssimo tempo, tendo em
vista a elevada baixa que se prenunciara, incluindo Joana, que tombaria morta
na escadaria do Palácio.
Em ambiente paralelo Dom Galvez
procurara dirigir os destinos do seu governo, com a preocupação de lançar os
determinados fundamentos de um poder aparentemente constituído, procurando
corrigir o desarranjo social
envolto em desajustada permissividade.
Esforçara-se Dom Luiz Galvez, em certo altura, para levar a
efeito o projeto de uma organização sócio-administrativa, visando a instalação de indústrias, e ainda buscando o emprego de capitais para o
desenvolvimento das mesmas e proliferação do comércio, fornecer o abastecimento
de serviços públicos como água, luz e até comunicação telefônica. O governo
oferecia, inclusive, o privilégio de exploração econômica à empresa que
construísse o cais do porto, composto de armazém e provido dos demais setores complementares, a exemplo de
depósitos, rampas, docas e flutuantes.
Raríssimas vezes que sejam, os
vícios de linguagem adquirindo um tenaz
poder, pressagiam o emprego do
pleonasmo, que cativam sua presença em
peculiar pensamento. Pois a ideia
oferecida pelo plano de governo de Dom Luiz Galvez Rodrigues de Aria, em Puerto
Alonso, é de que seria reflexo, no mínimo, de uma utópica ilusão, ou objeto
de uma
alucinadora miragem. Até a natureza deveria tomar necessárias
providências quanto ao devido alargamento das margens do rio Acre e sua múltipla profundidade, adaptando-o para o
suporte dos grandes calados dos vapores.
De salientar que o governador do
Amazonas estivera a par de tudo, comunicado que fora pelo próprio Dom
Galvez, optando pela omissão total,
inclusive de cientificar aos poderes federais.
Porém, em meio a tremenda
agitação política, a questão do Acre viera à tona, estampando na imprensa
amazonense a manchete de que um aventureiro audacioso estaria promovendo o desmembramento de uma
parte do Brasil. A contenda entre governistas e oposicionistas tomara vulto,
com insinuações e incriminações, relacionadas à separação de uma área da
comunhão brasileira. Os acontecimentos se desenrolavam de maneira incendiária e
distante de qualquer previsão. Tudo
porque o governo federal insistia em
concordância com a Bolívia, reconhecendo como boliviano o território ocupado
pelos brasileiros, há muitos anos. Então pedia ao governador do Amazonas, Cel.
Ramalho Júnior, explicações sobre o excêntrico Estado Independente, o qual não
se furtara em elogiar a inteligência e a operacionalidade do espanhol,
considerando o Estado Independente do
Acre uma organização completa e sem
falhas.
Com o descontentamento dos
seringalistas e a maioria dos comandantes dos vapores, porém,
já acumulando consideráveis
adesões, a turbulência política do governo acreano apresentara sintomas
de irremediável desestabilização
e desmoronamento o que, de fato, viria a
concretizar-se com a deposição, prisão e
consequentemente o “banimento do Presidente
Luiz Galvez Rodrigues de Arias do
território nacional, por ser considerado
conveniente sua retirada dos
domínios do Estado Independente do Acre”.
Fizera-se, então, levantar o
movimento para substituir a administração de Dom Galvez, cuja aclamação para
Presidente do Estado Livre do Acre, caberia ao coronel Antonio de Sousa Braga,
o qual ficaria no poder somente por trinta dias.
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