A GAZETA DO PURUS
Jose Augusto de
Castro e Costa
Consubstanciado e convertido em livro,
com prefácio do eminente e não menos querido poeta “senamadureirense” Jorge Tufi, posso dizer que tenho em mãos 134 números do jornal A GAZETA DO PURUS, periódico acreano,
surgido em Sena Madureira, nos idos de 1918.
Sena Madureira, à época, constituía-se na principal cidade do
Departamento do Alto Purus, quiçá do Acre, vivia uma política efervescente e já
contava com três jornais: o Estado do Acre, o Brazil Acreano
e a Gazeta do Purus, dirigido
este pelo Dr. Victoriano Freire, redigido pelo Dr. Areal Souto e secretariado
por Pedro Riquet Nogueira.
Por
fazer oposição ao prefeito Fernando Dias Ferreira, o semanário
atravessou sérias dificuldades. Porem, em 1920, apesar de seu redator-chefe,
Areal Souto, ser eleito Prefeito do Município do Purus, o jornal já não apresentava
a sua regularidade inicial, como esperara-se.
A estatística de Sena Madureira
apresentava um universo de 3.044 habitantes dos quais, 1.258 eram mulheres e
1.786 homens. Pouco mais de sete por
cento dessa população era composta de sírio-libaneses, portugueses,
peruanos e bolivianos.
Constituíam o "cast" das
principais autoridades regionais, o prefeito do Departamento do Alto Purus, o
intendente municipal, o juiz de direito, o promotor federal, o presidente do
conselho municipal, os secretários da Prefeitura e do Município, o comandante
da Companhia Regional e os juízes de paz. Vários advogados, médicos, dentistas,
farmacêuticos e contabilistas labutavam em Sena Madureira, que abrigava ainda
um sem-número de comerciantes, seringalistas e funcionários públicos.
Dois dos orgulhos de Sena Madureira, na
época, eram sua linha de bondes puxados a burro e as diversas ruas bem
delineadas, com valas de drenagem, entre as quais se destacavam a rua Macauã, a
Xapury, a Amazonas, a Canamary e a Purus.
Em Sena Madureira militavam, por esse
tempo, duas correntes políticas, que,
para variar, digladiavam-se violentamente. Do lado do governo estava o
Partido Republicano do Alto Purus, o PRAP, onde destacavam-se o prefeito Muniz
Varela, o Intendente Cesarino Doce, e ainda Victoriano Freire, Orlandino
Cardoso, Areal Souto, Soares Bulcão, grande numero de seringalistas e uma cisão
da Loja Maçônica Fraternidade e Trabalho, que contava com suas ideias
divulgadas pela Gazeta do Purus.
Entre os opositores destacavam-se os Drs. Flaviano Flavio
Baptista, Antonio Costa Gadelha, José Martins de Freitas e Barbosa Lima,
apoiados pelo “O Jornal”.
As lutas entre os dois grupos políticos, através
das paginas dos jornais, eram intensas, sem tréguas e visceralmente
avassaladoras, despidas de respeito e
pudor às famílias e à honra pessoal, atingindo níveis agravantes. Política à
parte, porém, Sena Madureira exalava momentos deleitáveis.
A Gazeta do Purus publicava, além do
movimento político, fatos que abrangiam
o noticiário nacional e estrangeiro, atos oficiais, colunas sociais,
nascimentos, aniversários, casamentos, obituários, anúncios diversos, revelando o apogeu da cidade, apresentando
dados estatísticos sócio econômicos locais, estendendo espaço às atividades artísticas e literárias,
onde destacavam-se os poemas antológicos para a época em que eram publicados, os
quais, se não superam ao que era produzido nos grandes centros, nada lhes
ficarão a dever. A propósito, ressalte-se o soneto de Areal Souto, publicado na
edição n° 35, de 25.9.1924, da Gazeta do Purus:
TERRA
ACREANA
Um crivo ao
solo – é o rio, um só plano – a floresta,
Ao fundo –
o seringal, mais adiante – a fronteira.
Eis a terra onde outrora,
a lutar testa a testa
Um povo
audaz repele a cobiça estrangeira.
Vê Plácido de Castro ... é uma sombra que resta
Saudosa
tradição dessa estirpe guerreira
Que inda traz a cantar, n’algum lugar de festa,
O Hino da
Conquista – o infeliz Mangabeira.
Terra de sacrifícios e de
lutas mortais,
Vale de Josafá, fonte de tantos ais ...
Tebas, Palmira, Assur, desmoronadas portas !
Como devem te
olhar estes gênios de escombros
Como deve ser triste apertar em teus
ombros
O sudário fatal de outras cidades
mortas.
A edição de nº 128, de 30.9. 1923 noticia que o então governador do Acre, José Thomaz da
Cunha Vasconcelos, programou e efetivou visita à próspera cidade do
Departamento do Alto Purus e foi alvo de excelente acolhida, bem típica da
época.
A viagem entre a capital Rio Branco e Sena Madureira foi feita por
terra, a cavalo, durante três dias, tendo governador e comitiva percorrido
tortuosos varadouros, cerrados, mata fechada, num percursos de mais de 50
léguas.
Cercado de altas
autoridades do município e de sua comitiva, o governador Cunha Vasconcelos
assistiu a missa que dava início às solenidades de que foi alvo, as quais
culminaram com um banquete no Hotel Central.
É através da Gazeta do Purus que se tem
conhecimento de que a Prelazia do Acre,
separada da Diocese do Amazonas, foi criada pelo Papa Bento XV, através da bula
“Universas Regimen”, de 04.10.1919, com sede em Sena Madureira, e entregue à Ordem dos Servos de Maria, que teve como
primeiros representantes os Padres Tiago Mattioli e Miguel Lorenzini.
Sabe-se que em 1920
o Acre foi unificado, tendo naturalmente sido extintos os quatro Departamentos e sendo escolhida, para capital do Território,
a cidade de Rio Branco. Inconformados,
os habitantes do Alto Purus protestaram e muito lutaram pela primazia.
Durante a
incansável reivindicação, corre a noticia de que, em Sobral, no Alto Purus, uma
onça havia matado e devorado uma mulher e duas crianças, enquanto dormiam. Um
jornal de Rio Branco, “O Futuro”, aproveitou para estampar um comentário, na noticia, emitindo
textualmente que “ em uma cidade em que as onças comem famílias inteiras, ainda
querem que seja a capital”.
Os puruenses
sentiram-se feridos com o comentário mordaz e esperaram um certo tempo para
rebater, o que ocorreu quase um ano depois, quando a Gazeta do Purus
transcreveu uma noticia da “Folha do Acre”, outro jornal de Rio Branco, de que,
“nos quintais das casas da rua Rio Grande do Norte, ao lado do grupo escolar,
apareceu uma onça, que andou fazendo algum alvoroço, tendo sido, afinal, morta
por um magistrado, morador naquela rua”.
E vem o desfecho,
após longa espera:
“Credo! Depois
disto e daquilo outro, ainda lá querem o bispo? Pena que o animalsinho não tenha sido morto por algum redator de “O
Futuro”. Em todo caso achamos que o couro deve ser remetido para o Rio, à
grande Exposição Nacional de 1922”.
As referências ao
bispo prendiam-se ao fato da Prelazia do Acre e Alto Purus,ser sediada em Sena Madureira, com o
que os acreanos de Rio Branco jamais se
conformaram.
Graças à Gazeta do
Purus, tornamo-nos conhecedores de boa parte do cotidiano de Sena Madureira, no
período de 13.06.1918 a 25.09.1924, das
atividades políticas, econômicas e culturais de uma então próspera cidade e
ficamos admiradores do empenho de um
grupo de idealistas que, mesmo isolados no interior mais remoto do Brasil, não
permitiam a estagnação intelectual, e sim, representavam uma fase em que a
imprensa brasileira atingia as pequeninas cidades.
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