sexta-feira, 29 de junho de 2012

sexta-feira, 29 de junho de 2012

quarta-feira, 27 de junho de 2012


ACRE: REGISTRO CINEMATOGRÁFICO DE UMA ÉPOCA

O portal Agência de Notícias do Acre disponibilizou, por ocasião dos 50 anos do Acre estado, interessante registro cinematográfico do Estado de fins da década de 40 até por volta da década de 60. O documentário revela peculiaridades em relação à educação, produção e alagação.

Posse do major José Guiomard dos Santos como governador do Território Federal do Acre, nomeado por Eurico Gaspar Dutra.

terça-feira, 26 de junho de 2012


BRASILEIRO POR OPÇÃO-VIII

JOSÉ AUGUSTO DE CASTRO E COSTA*


No início de uma tarde o “Rio Tapajós” atinge sem novidade, a confluência do rio Purus com o rio Acre onde, segundo a tripulação, distinguia-se o barracão do conhecido cearense “Barão da Boca do Acre”, que marcava suas mercadorias com três eles – L.L.L. – que significavam seu nome: Lixandre Liveira Lima. Evidentemente os bolivianos não intuíram-se da esdrúxula curiosidade.

Prossegue o vapor rio acima, impelido pela hélice, já de onde os bolivianos começariam a vislumbrar, não obstante o anoitecer, a imensa planura de terra firme coberta de floresta, “habitat” natural e abundante da “Hevea Brasiliensis”, de látex farto e de boa qualidade, constituindo a grande riqueza da região.

A noite, sob um céu alegremente estrelado, o “Rio Tapajós” chega à Vila do Antimarí, sede da Superintendência do Estado do Amazonas.

No navio as horas passavam preenchidas por certa celeuma que contrastava com a quietude entorpecida da vila. Paralelamente ao aprovisionamento da expedição boliviana, não foram esquecidos instrumentos musicais, como Charango (um tipo de bandolim), a Zaponha, a Quena e a Tarka (espécie de flauta), a Huancara e a Caixa (percussão). Mesmo sem a participação feminina, alguns sempre ensejavam passos da Cueca ou Lhamero, ao som da melodia da Takirári, uma das mais populares canções bolivianas. Tudo isso regado à famosa Paceña, que já existia desde 1877 e à queimante Mocochinchi, uma cachaça que fazia cuspir fogo.

Dom José Paravicini resolve então balançar a vila, precisamente na véspera da virada do ano de 1898, quando alguns, na calada da noite, ainda jogavam conversa fora, regada a umas lapadas de Cocal para uns, Quinado ou Gin com Vermouth ou a cerveja amazonense XPTO, para outros.

Tudo ia bem, mas eis que estronda de repente, um pavoroso e aterrorizante estampido, de fazer tremer nas árvores as mais encravadas arborícolas (preguiça), elucidando de súbito como seria o Apocalipse. Houve até quem se lançasse do assento, tal a intensidade da grave detonação do apito do gaiola.

Passado o susto, embora não ainda refeitos do terrível sobressalto, os moradores da Vila Antimarí certificaram-se que aquela viagem do “Rio Tapajós” não se tratava de finalidade comercial, mas de objetivo de estabelecer Posto Aduaneiro nos rios Acre, Purús e Iaco, inclusive tomar posse de um patrimônio, tudo isso com o descuidado consentimento do Governo brasileiro.

Atordoadas, confusas, entontecidas com o alvoroço do inesperado acontecimento, as pessoas acorreram, instintivamente, ao barranco, a fim de ver e entender a causa de tão estranho escarcéu.

Misturado com os demais habitantes, também atônito e surpreso, o advogado José de Carvalho, ao saber das primeiras informações de que o vapor transportava uma expedição boliviana, com a finalidade de instalar postos aduaneiros, estranhou não haver recebido comunicação das autoridades brasileiras de Manaus.

As palavras pronunciadas em idioma desconhecido agravavam a perplexidade. Quem fora despertado, não compreendia o pesadelo. Quem tomara uns tragos a mais, cismou que talvez bebera sem moderação.

A verdade é que a compreensão dos fatos foi a única ausente, na noite de 30 de dezembro de 1898, na Vila do Antimarí. Ainda mais pelo fato de o “Rio Tapajós” levar pouco tempo atracado, adicionado a falta de esclarecimentos acerca da numerosa comitiva estrangeira que transportara.

Como não havia nenhuma embarcação ancorada no porto, Dom Paravicini, ansioso para por em prática seu propósito, mandou desatracar a embarcação e ordenou que o “Rio Tapajós” prosseguisse rio Acre acima. Acabara de tomar ciência de que umas duas dezenas de navios haviam subido naquela direção e todos, evidentemente, deveriam retornar superlotados de borracha, o que proporcionaria uma excelente arrecadação para o recém fisco boliviano.

Enquanto não fora estabelecido a base para a instalação do Posto alfandegário, o devido expediente neste sentido seria efetivado no próprio navio.

Puerto Alonso (atual Porto Acre) no início do século XX.
Desenho do artista Hélio Cardoni
Site Kaxiana
Em 3 de janeiro de 1899 D. José Paravicini funda, literalmente, a localidade denominada “Puerto Alonso”, em homenagem ao Presidente da Bolívia, Don Severo Fernandes Alonso, hasteando pela vez primeira o pavilhão boliviano.

O espírito de audácia do conquistador boliviano refletiu-se de imediato, numa região de espessa floresta, praticamente impenetrável em muitos pontos, rica em árvores colossais, onde destacavam-se as nativas seringueiras, castanheiras, cumarus, louros e muitas e muitas outras, símbolos de economia que ajudaria a fixação do homem à terra.

Tão logo aprovou a localização para sua base, D. Paravicini dividiu sua expedição em grupos destinados aos afazeres – de desmatamento, de construção e de burocracia. A prioridade para a efetivação dos trabalhos continuaria sendo a arrecadação de impostos. Para tal, o “Rio Tapajós” seria utilizado como posto alfandegário ambulante.

Enquanto as devidas providências eram tomadas em terra, inclusive com a participação de alguns habitantes da redondeza, o vapor deslocara-se rio acima e logo ao completar uma curva, é avistado, encalhado num baixio, o vapor “Franklin”, no qual achavam-se duas autoridades amazonenses – O Juiz de Direito da Comarca e o Superintendentes da Vila Antimarí, Coronel Francisco Monteiro de Souza Júnior.

As autoridades brasileiras estranharam o pavilhão boliviano tremulando no mastro de um navio brasileiro. Maior impacto tiveram quando do “Rio Tapajós”, ao aproximar-se, apresentaram-se um grupo de estrangeiros, ocasião em que D. Paravicini, em aparente autoritarismo, dera conhecimento a todos, do propósito que o levara àquele lugar, informando-os, sobretudo do encerramento das atividades atribuídas aos brasileiros naquela região, passando todos os encargos para a responsabilidade da Bolívia.

Sempre tocado pelo sentimento de patriotismo, D. Paravicini julgava estar na Bolívia, motivo pelo qual experimentava a alegria de navegar e pisar em território pátrio, após inúmeras contrariedades vividas na empreitada a que propusera-se.

Em aditamento ao objetivo da ocupação, a autoridade boliviana cientificara ao Comandante do “Franklin”, Tenente-honorário Joaquim Sarmanho, acerca da instalação do posto alfandegário, entregando-o a notificação para o devido pagamento, tão logo descesse o rio, com destino a Manaus.


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* José Augusto de Castro e Costa é cronista e poeta acreano. Mora em Brasília e escreve o Blog FELICIDACRE.

terça-feira, 19 de junho de 2012

BRASILEIRO POR OPÇÃO – VII
                    José Augusto de Castro e Costa

    Em 1967, aos 30 anos, o Tratado de Ayacucho é despertado de um adormecido estágio para necessárias adaptações.  É que fora observado tratar-se de um instrumento,  de certa forma insano, produzido por mentes precipitadas, desprovidas do censo comum,  por elaborá-lo não apenas com deficiência interpretativa, mas também com um perímetro  de demarcação mutilado.
     Ao estudar o referido Tratado, ninguém sabia onde encontrava-se as nascentes, no caso, do rio Javari, que seria o ponto inicial da fronteira e, o que é pior, o traçado geodésico não continha a longitude. O Tratado de Ayacuho  assemelha-se  à figura de um terreno que só possui a área frontal, sem a menor coordenada referente ao todo.  Com respeito ao Tratado, nada  consta acerca da extensão  longitudinal.
     Don Paravicini, Ministro Plenipotenciário boliviano, por possuir aguçada perspicácia  e assustadora ousadia, aventurara-se a por em prática, pessoalmente, seu projeto para  concretizar a instalação do posto aduaneiro no rio Acre, em detrimento  dos debates em busca dos dados corretos da demarcação da área pertinente ao Tratado de Ayacucho.
     Para D. Paravicini e até para muitos brasileiros, pouca importância havia  se a área demarcada estava  correta ou incorreta. O interesse movido pelo imperialismo econômico, prendia-se ao cobiçado imposto aduaneiro de  exportação, adicionado aos impostos de vendas a vista e em consignação, com os quais o Brasil deixaria de contar.
     Com o beneplácito  brasileiro, o Ministro Paravicini e sua comitiva são recebidos com saudações , ovações e excessivos  acatamentos, pelo mesmo governador Ramalho Junior,  que, meses anteriores, discordara dos propósitos da expedição boliviana , que eram exatamente os mesmos.
     Após tomar conhecimento de que inúmeros gaiolas havia partido para os rios acreanos, Juruá, Iaco e Acre, Don Paravicini,  dispensou a diplomacia, não fez cerimônia para interromper  as solenidades a si prestadas e partiu para o Alto Acre, por assegurar-se que o maior número de transportadores  havia-se dirigido para aquela região. Seu plano era dar início à devida cobrança de imediato, até mesmo antes  de solidificar a acomodação da Alfândega.
     O Ministro  Paravicini  recebeu, das autoridades amazonenses, votos de boa viagem e magnífico desempenho, agradeceu e fechou a ordem do dia levantando um brinde à imprensa brasileira.
     Era dezembro  de 1898, quando o vapor “Rio Tapajós”, fretado pelo governo boliviano zarpou, aproveitando as primeiras águas, com destino aos rios Purus e Acre. Com seus largos corredores laterais, para onde abriam os camarotes, os quais estendiam-se em fila dupla central, e com um vasto salão de jantar, à traseira, o navio era externamente todo aberto, apenas protegido do sol e da chuva por grossas lonas verdes, que permaneciam enroladas. Era assim, claro e alegre, como os “gaiolas” da região, em geral.
     Subindo o rio Purus cheio, o “Rio Tapajós” procurava encurtar a distância e evitar a maior correnteza, cortando as voltas e costeando as mansas praias convexas e afastando-se dos barrancos recôncavos, por onde se precipitavam as águas impetuosas.
     Para guardar o carvão para o Acre, onde a lenha preparada era cara e escassa, a tripulação brasileira, que já possuía experiência, procurava suprir-se desse combustível, ao longo do Purus,  aportando em diversos portos de lenha, onde compravam alguns milheiros de achas de madeiras de lei, tipo maçaranduba e pau-mulato.
     O “Rio Tapajós” entra, finalmente no tão falado rio Acre, o qual afigurou-se aos bolivianos muito estreito para comportar a fama de importância e de riqueza que o celebrizava.  Parecia-lhes incrível que um rio tão exíguo  tivesse mais de mil quilômetros de  curso, quase totalmente navegável.
     Enquanto isso, em Manaus ficara no ar, nos gabinetes, nas residências, nas esquinas, o assunto  contido no cotidiano,  a  propósito da questão do Acre, acolchoado pela incerteza  quanto ao destino  da opulência  manauara, contida na  grandiosidade de um Teatro Amazonas, na beleza arquitetônica do Tribunal de Justiça,na beleza confortante dos palacetes, na admirabilidade do conjunto de pré-moldados do prédio da Alfândega, que vieram em blocos e foram montados em Manaus, nos entretenimentos do espírito que enlevavam a alma do  manauara. Tudo isso parecia ter dias contados!
     Na região acreana, a vida transcorria dentro da normalidade, com  a acomodação das peles  de borracha nos porões, assim como o acoplamento  das jangadas do mesmo produto  nas  diversas  embarcações, sejam gaiolas,  lanchas e batelões.
     Chegando ao porto, a embarcação lançava os cabos, que eram amarrados, e as pranchas, por onde passariam  os moradores, ansiosos por noticias e correspondências.
     Alguns donos de seringal, mais pressurosos ou modestos, eram os primeiros a subir a bordo, para cumprimentar o comandante e o representante da casa, com quem tomavam os tragos.
     O descarregamento  era feito rapidamente iniciando pelas garrafas da saborosa aguardente Cocal e pelos cestos  de  farinha, que eram transportados do porto para o barracão, pelos seringueiros em festa.
     Descarregado o aviamento dos diversos seringais fregueses, as embarcações retornavam a Manaus e Belém,fazendo as mesmas escalas.
     À noite, o devido descanso era precedido  por rodas de conversa  de uns, acerca das atividades do dia, enquanto outros quedavam-se a contemplar a lua ou  o doce reluzir das águas barrentas do rio Acre, não obstante os inquietantes ataques  das vorazes carapanãs, que ferravam mesmo através  da roupa – geralmente de mescla ou caqui.
     Quando dois vapores se encontravam, saudavam-se mùtuamente com sonoros apitos , acerca das atividades do dia. característicos de cada casa  armadora, delicado cumprimento, geralmente acompanhado pelos amistosos acenos trocados entre os passageiros.
     Esta cultura já havia completado trinta anos, desde quando João Gabriel de Carvalho e Melo, a frente de seus homens, ergueu as  barracas para sinalizar o primeiro seringal organizado e estável da região acreana.
     Ia o vapor dos  bolivianos subindo, aproando sempre na tangência da  curva que contornava, fugindo da correnteza da água, que lambia o barranco  fronteiro, solapando as raízes das árvores ribeirinhas.
     O prático, na roda do leme, de olhos atentos, evitava o rebojo dos “troncos”, paus enfincados no fundo do rio, constituindo um grande perigo, temidos pelo encalhe ou furos do casco da embarcação. Iam desfilando à vista dos passageiros, numa demorada sucessão, os barracões dos seringais acreanos.
     O Estado do Amazonas exercia jurisdição sobre as regiões dos rios acreanos, com a Superintendência  sediada na vila Antimarí,  cujo secretário  era o advogado  José de Carvalho, cearense  do Crato  e a direção a encargo do Superintendente  Francisco Monteiro de Souza Junior.
     O advogado José de Carvalho Alencar não viria a ser o primeiro de sua família a ter envolvimento com o Acre.  A matriarca de sua família, Bárbara de Alencar, foi considerada a primeira prisioneira política, quando coadjuvou o comando da Revolução do Equador, uma manifestação revolucionária ocorrida na metade do século XVII, defendendo a autonomia de Pernambuco. Após o embate retirou-se para o Crato, onde constituiu família e  deu continuidade às  questões políticas, sempre visando a conquista das liberdades sociais. Teve, inclusive, um filho seu ocupando o posto de Presidente da Província do Ceará.
     Quatorze  anos  após a estada de José de Carvalho  em regiões acreanas, outro parente seu, Coronel da Força Nacional, Tristão de Alencar Araripe, ao ser nomeado Prefeito do Departamento do Alto Purus, iria protagonizar sérias questões políticas  em  Sena Madureira,  relacionadas  ao movimento separatista e autônomo do Juruá e  Alto Purus.




  

segunda-feira, 11 de junho de 2012

BRASILEIRO POR OPÇÃO – VI
                     José Augusto de Castro e Costa

     A história do Acre é, na verdade, uma das mais belas, sobretudo  por  revestir-se  de questões surpreendentemente  belicosas,  provenientes de  enredos  e solucionadas  pela participação ativa de irmãos brasileiros, inspirados  por suas  aguerridas  presenças de espírito, ressaltando-se, não apenas, o Barão de Rio Branco, Embaixador Assis Brasil e José Plácido de Castro, mas inúmeros outros. De salientar, sobremaneira, o empenho contundente, inteligente e (aqui cabe dizer) “salvador da pátria”, exercido pelo brasileiro Alexandre de Gusmão, conhecedor profundo da geografia do Brasil e seus problemas, que, com  sagaz  perspicácia , inseriu o “uti  possedetis” no Tratado de Madri,  e no  Tratado de Limites, de 1750. Secretário do Conselho Ultramarinho, Alexandre de Gusmão exercia,  ainda , atividades de  conselheiro íntimo do rei D.João V, o que o credenciava a negociar pactos relativos  a bases  de limites territoriais e elementos soberanos de Suas Majestades  da Espanha e de Portugal,  na metade do século XVIII.
     Entretanto, cento e cinquenta anos após, essas questões de estruturação histórica-política do Tratado de Madri, adormeciam ignotas, na mente sul-americana de brasileiros e  bolivianos,  como se estivessem  ocultadas pela espessura  da  floresta  amazônica.
     A contenda diplomática, porém, começa a buscar soluções para a questão de limites dos dois países, o que incluiria o Peru. O Tratado de Ayacucho, porém, trazia  uma variedade de nomenclatura  geométrica, o  que sugeriria muitas interpretações diversificadas.    
     Enquanto isso, os bolivianos iniciando a jornada  de ocupação do Acre, atingem a bacia do rio Madeira, sob o comando do General  Pando, que viria a ser Presidente da Bolívia, anos depois.
     As autoridades bolivianas, então, autorizam a demarcação de limites, na parte compreendida  entre o  Madeira  e o Javarí, salientando que  “esta nascente está, para todos os efeitos, na demarcação entre Brasil e Bolivia”. Acontece, porém, que em outra demarcação realizada  pela Comissão de Limites do Ministério do Exterior, a  latitude está completamente diferenciada.
     Desenvolve-se daí uma confusão generalizada, agravada com o protesto do Peru que julgava-se lesado pela Bolivia, contra a perda de território  seu.
     A essa altura os Estados Unidos e a Inglaterra  estavam interessadíssimos em abrir o rio Amazonas à navegação internacional, sob a influência de uma propaganda que sugeria a abertura do Rei dos Rios, com diziam em seus jornais:  Kings of Rivers.
     Enquanto grupos de bolivianos encarregavam-se de ocupar os rios Juruá, Iaco e Acre, outros, influenciados  e sugestionados pelo imperialismo econômico, dedicavam-se à instituição do organismo internacional que, indubitavelmente não só iria gerir toda a economia regional, como colonizaria parte da soberania do Brasil,       apossando-se, “in totum”,de seu principal produto de exportação. Trata-se do “Bolivian Syndicate”, o qual projetava controlar todas as atividades relacionadas ao produto, bem como sua exportação, com o poder econômico e forças terrestres e navais. Constava do contrato com o “Bolivian Syndicate” o equipamento e manutenção de força naval armada, para a defesa dos rios, conservação da ordem interna, com o poder de policia.
     Havia sido nomeado pelo governo boliviano, para exercer o cargo de Delegado Nacional do Governo da Bolivia, Don Juan Franisco Velarde, o mesmo que há poucos anos proferira conferência na Sociedade Geográfica, na presença de D.Pedro II, insinuando a imediata ocupação na região amazônica. Como autoridade boliviana, D. Velarde desloca-se para a região do Alto Acre, a fim de, sobretudo, instalar um posto aduaneiro, para evitar os contrabandos por ali passados. Chegara, então, a Manaus, com o intuito de apresentar seus planos ao governador do Amazonas, na ocasião, o senhor Ramalho Junior, a quem pedira apoio para o plano exposto. Felizmente o governador Ramalho Junior negara assentimento à fundação do posto alfandegário no Acre, pelo fato de não haver recebido, do Governo do Brasil, nenhuma instrução nesse sentido. Em ação concomitante chegara à vila de Xapurí, por via terrestre, uma  expedição militar de 30 praças, destinada a dar cobertura ao que propusera-se D. Juan Velarde, informando  que a Bolivia havia deliberado fundar uma Delegação Nacional naquele rio.
     No Amazonas, a delegação de D. Velarde  quedara-se, encantada com a região que, julgavam  semelhante a sua, não muito distante dali. Durante a viagem de Belém para Manaus, notavam os bolivianos que, em certas zonas, a perspectiva mudava frequentemente para quem acompanhava com a vista as margens e o desenvolvimento das árvores. De vez em quando distinguiam árvores com manchas brancas no tronco, de um colorido verde claro na folhagem, e que logo eram apontadas como exemplares da famosa  seringueira.
     Junto das seringueiras era notado um jirau composto de três ou quatro forquilhas e de outras travessas, de cima das quais o seringueiro  poderia fazer mais alto as incisões e lá espetar a sua tigelinha para colher a preciosa seiva. A expedição navegava, ainda, pelo Amazonas.
     Em Manaus, o desenvolvimento era notório e seus visitantes já lhe previam um futuro grandioso por sua situação privilegiada. Era de saltar à vista o cosmopolitismo da cidade, por seu progresso vertiginoso, por sua arquitetura, por suas obras municipais, por possuir um monopólio comercial e pelo futuro que lhe era reservado.
     Toda essa estrutura de benfeitorias, atrativos arquitetônicos, artísticos , culturais, entretenimentos e movimentações sociais, estaria ameaçada a escassear, caso o “Bolivian Syndicate” conseguisse fechar as atividades das Alfândegas de Manaus e de Belém, levando a efeito apenas  o desempenho do posto aduaneiro  no rio Acre, como aspirava.
     Nem por isso deixou-se de ver o declínio do vertiginoso e aprazível auge da exportação  da borracha, gerador impulsionante da economia brasileira, no final do século XIX.
     Mas, de início, tanto a missão de D. Juan Velarde, em  Manaus, quanto a da expedição militar boliviana, em Xapurí, tornaram-se infrutíferas, em decorrência da posição do governador do Amazonas, Ramalho Júnior e respectivamente, da autoridade brasileira sediada no alto rio Acre.
     Ressalte-se que, por absoluta  ausência de rápidas comunicações, estabelecera-se um embuste de suposições e completo desconhecimento dos fatos. Nem o ministério boliviano no Rio de Janeiro sabia do ocorrido com a  Expedição  sob o comando de D. Juan Velarde chegada a Manaus, nem esta, por sua vez, nada sabia do que passava-se em Xapurí.
     Estava investido no cargo de Ministro Plenipotenciário da Bolívia, Don José Paravicini, conhecido como Diplomata frio, calculista e ambicioso.
     Quando soube do fracasso da Expedição em Manaus, respondeu que D. Juan Velarde  errara, evidentemente, por excesso de cortesia, pois não deveria  aquela autoridade  dirigir-se ao governador do Amazonas, por encontrar-se, como achava, em território boliviano, e precisaria exercer sua jurisdição como emanada da soberania da Bolívia. Continuando, diz D. Paravicini em seu expediente que “se houvesse qualquer dificuldade era com o Governo Federal  com quem devia entender-se”.
     O Itamarati, posteriormente, persuadido pelo plenipotenciário boliviano, resolve aquiescer e telegrafa ao governador do Amazonas, propondo a concordar na instalação do posto aduaneiro à margem do rio Acre e que o Ministério da Fazenda estaria autorizando ordens para que as Alfândegas de Manaus e de Belém recebessem os documentos expedidos por aquele posto, a título de justificativa de mercadorias em trânsito, como pleiteavam os  interessados.
     De posse do importante trunfo, o Ministro Don Paravicini, exultante, habilita-se para ele mesmo preparar e comandar nova expedição boliviana para ocupar o Acre.


     

segunda-feira, 4 de junho de 2012

BRASILEIRO POR OPÇÃO – V
                      José Augusto de Castro e Costa

       O rio Acre tornara-se um dos afluentes mais populosos do rio Purus, estendendo-se  acima de onde hoje encontra-se a cidade de Rio Branco, contabilizando cerca de 10.000 pessoas, excluindo os silvícolas. Esta população era inteiramente brasileira,  provindo  dos estados do Ceará, Paraíba, Piauí, Alagoas, Maranhão, Sergipe, Pará e Amazonas. A exportação em goma elástica estimara-se em cerca de 500.000 quilos, cujo comércio  era levado a efeito por quase vinte vapores de grande estrutura, que faziam a navegação durante a cheia do rio, inclusive transportando novos seringueiros e mercadorias.
     As exportações cresciam vertiginosamente de forma progressiva, em decorrência das descobertas químicas de vulcanização, aplicando o emprego do enxofre na borracha.
     Um inglês denominado Thomas Hancock e um americano, Charles Goodyear, cujo nome é mundialmente familiar, registraram suas patentes e alastraram no mundo uma verdadeira febre de interesses nos objetos produzidos do estranho  látex, tais como salva-vidas, balões-de-gás, sapatos, tapetes, botes, travesseiros, capotes, forros,  etc.,etc., relacionando-se inúmeras utilidades, coroando-se com um dos mais poderosos e influentes negócios – o pneu-mático.
     Embora outros países possuíssem o látex, era o da Amazônia o que apresentava melhor qualidade e, por isso, o mais procurado, levando as capitais de Belém e Manaus ao ápice, pelo impulso da economia da goma elástica.
      Os mais importantes mercados importadores da borracha eram Antuérpia, Hamburgo, Lisboa, Liverpool, Londres e Nova Iorque, os quais adquiriam  toda a produção amazônica.
     A expansão industrial no mundo, então, fez girar variedade incontável de artigos e objetos manufaturados, comerciáveis naquelas duas capitais brasileiras, devendo-se a isso o crescimento e a formação  de uma elite que se impôs na vida do Brasil, em padrões de cultura. Ali viu-se prosperar o aspecto das duas cidades, onde destacavam-se a beleza e o asseio das ruas e largas avenidas, marginadas de enormes mangueirais.
     As casas eram construídas ao estilo francês e português, o Teatro  Amazonas, em Manaus e Teatro da Paz, em Belém, cercados por jardins muito bem tratados, causavam viva admiração pela majestade de suas edificações e sintetizavam muito bem  o ar de civilização que provinha das metrópoles europeias.
     O processo social nas duas capitais desenvolvia-se notoriamente. Em Manaus, por situar-se mais próximo dos seringais, o ritmo de progresso sentia falta de mão de obra para atender à demanda das construções, de vez que a Municipalidade determinara aos proprietários de terrenos baldios a necessária edificação dos mesmos, num prazo de seis meses. Havendo precariedade de operários, que se preparasse apenas a fachada do prédio, ficando o resto para depois, a fim de que a Lei municipal fosse cumprida.
     O dinamismo vivido em Manaus e Belém aparentava os princípios de fortuna que a borracha acreana traria, deixando marcas indeléveis em ambas as metrópoles, tanto no visual do cidade como em seus habitantes.
     A produção vertiginosa da borracha também viria despertar, sobremaneira, os sentidos do imperialismo econômico.
     No princípio, em termos de negócio, o imperialismo apenas importava a exportação brasileira, o que não atendia ao apetite dominador da avidez. Fazia-se mister robustecer a transação,  extinguindo, senão, diminuindo taxas e /ou emolumentos alfandegários  brasileiros, que mesmo vantajosos, incomodavam.
     Para o império econômico  a Bolívia tinha que entrar nesse cenário  e assumir o papel  de protagonizar a  exportação da borracha extraída do Acre.
     Nasce daí a figura de D.Juan Francisco Velarde, Ministro-Residente  da Bolívia, procurando persuadir os brasileiros, durante uma conferência na Sociedade de Geografia, a qual contava com a presença do Imperador D. Pedro II.
     Dizia o ministro boliviano, naquela conferência que na América do Sul ainda existiam regiões inexploradas, cujo estudo interessava à ciência. Que a civilização havia limitado seus benefícios ao litoral do continente, deixando seu interior em seu estado primitivo.
    D. Juan Velarde, no desenrolar da conferência realizada em 28 de junho de 1886, chegara a afirmar que o Acre ainda não havia sido encontrado. Os ouvintes brasileiros, por sua vez, pareciam desconhecer que há exatos vinte e nove anos, várias famílias cearense e maranhenses, sob o comando de João Gabriel de Carvalho e Melo, haviam-se instalado rio Acre acima. Desconheciam que vinte anos antes, o Purus, Acre e Juruá estavam completamente devassados por brasileiros.
     Segundo historiadores e vários registros  documentais, o ministro boliviano demonstrou, na citada conferência, notório desconhecimento da área acreana, quando referiu-se ao Acre cortado por dois rios navegáveis (Abunã e Órton), dizendo ainda que os mesmos eram divididos e subdivididos em seu curso superior, quando, na verdade, estes rios pertencem à bacia do Madeira.
     Tal desconhecimento já fazia-se notado antes e após o Tratado de Ayacucho, de 1867, porém, estimulada pelo imperialismo econômico que eclodia na Europa e USA, a Bolívia passou a interessar-se pela área acreana.
     A Conferência proferida por D. Juan Velarde constituiu-se, historicamente, na primeira manifestação boliviana, com vistas à ocupação do Acre, insinuando tratar-se de ambiente inexplorado, inculto e em seu estado primitivo. Todos pareciam não levar em conta que, a simples ocupação do cearense João Gabriel de Carvalho e Melo conferiria ao Brasil, independente de qualquer outro título, o direito a ocupação  efetiva e prolongada do território. É o que significa” uti possidetis”, inserido no Tratado de Madri, de 1749, objeto consentido pela Espanha, ao “emprestar o valor da justa propriedade à ocupação do solo e correr os limites pelas divisas naturais”.
     Ao ignorar o utis possidetis, os interessados sob a égide de um Tratado repleto de equívocos, passaram a  visitar  a região acreana, inclusive relacionando-se com brasileiros que achavam-se instalados em seringais, nas proximidades do Beni.
     Os olhos bolivianos começam-se a abrir  os olhos após testemunharem, in loco, o trabalho extrativista do brasileiros no rio Acre.