segunda-feira, 2 de fevereiro de 2015


GOVERNADOR ANIBAL MIRANDA –

                                                  José Augusto de Castro e Costa

 

Com o fim de habilitar-se a lançar sua candidatura para Deputado Federal pelo recém criado Estado, o Dr. José Ruy da Silveira Lino pediu exoneração do cargo de chefe do executivo acreano. Para substituí-lo e ao Secretário Geral, Prof. Geraldo Gurgel de Mesquita, foram indicados, respectivamente, os senhores Aníbal Miranda Ferreira da Silva e Milton Matos Rocha, cuja solenidade de transmissão de encargos realizara-se a 6 de julho de 1962, ao apagar das luzes, data máxima para a desincompatibilização necessária à candidatura de quem exercia cargos públicos. Tal estratégia fora utilizada pelo governador Ruy Lino, para que o novel estado permanecesse nas mãos do PTB,pois, se se exonerasse antes, o governo ficaria com o PSD, como objetivava o então Secretário Geral , Geraldo Mesquita, também aspirante a cargo eletivo.

O PTB, na época, era um tronco confluente de duas correntes, navegava em duas vertentes: Oscar Passos e Adalberto Sena. Para que a chapa para governador, com o nome de José Augusto tivesse a aceitação majoritária do partido, Adalberto Sena teve muito trabalho para exercitar seu poder de persuasão junto aos petebistas descontentes, entre os quais sobressaia-se justamente Aníbal Miranda.

Logo de início o governador Aníbal Miranda procurou não descuidar-se de dar solução aos problemas da administração, quer na capital, quer no interior, fazendo com que o plano iniciado pelo seu antecessor, Ruy Lino, não viesse a sofrer solução de continuidade.

Uma das primeiras preocupações do governador Aníbal Miranda fora referente à verba destinada ao pagamento do funcionalismo, objeto da  lei que concedera novo aumento.

A propósito, o mandatário acreano mantinha, diuturnamente, contato com a Representação do Acre, na então capital da Guanabara, enquanto, em Rio Branco, a Seção do Pessoal do Departamento de Administração, providenciava a confecção das respectivas folhas de pagamento.

Mais adiante, o governador Aníbal recebera mensagem telegráfica do Dr. Parkinson, Diretor de Obras da Cia. Siderúrgica nacional, dando conta da elaboração do Contrato com a firma MARTINS FERREIRA S.A., com vistas à construção da ponte “Juscelino Kubitschek”.


De salientar, uma marcante conquista – o Enquadramento do Funcionalismo do Acre. Quando no exercício do governo acreano, Ruy Lino entendeu precípuo o dever de lutar por tão necessária causa. Armou-se da coragem resoluta que sempre o caracterizou, e enfrentou a batalha, já muitas vezes deixada em meio. Conseguiu uma comissão do Departamento de Administração do Serviço Público (DASP) para a colheita de dados imprescindíveis. Persuadiu o deputado Oscar Passos a emprestar sua inestimável colaboração à causa e, brevemente, o Decreto chegara às mãos do presidente João Goulart para a devida sanção. Já encaminhava-se para o “referendum” do Primeiro Ministro quando deu-se a transformação do sistema de Território a Estado autônomo e Ruy Lino cedera  lugar à Aníbal Miranda, que conseguiu que o trabalho chegasse a seu termo.

No governo Aníbal Miranda, o tocante a assistência social, filantropia e demais atividades sociais, estivera a cargo da Primeira Dama, Dalva Vasconcelos Silva, que não poupara esforços para levá-las a efeito, produzindo visitas aos abrigos e educandários, reuniões sociais, pequenos festivais alusivos a data e a cultura dos povos e desfiles de modas e costumes.

Desfile de costumes das nações, realizado na esplanada do Palácio do Governo

 

 Entre as principais realizações do governo Aníbal Miranda pode-se enumerar a Construção de barragens para a reserva de água para as Colônias Plácido de Castro e Bela Vista, o Aparelhamento do Frigorífico do Estado, a Instalação da Telefônica do Acre (TASA), a cargo da Ericson do Brasil S.A., e Convênios com a SPVEA para a instalação da usina e distribuição de energia de Cruzeiro do Sul e instalação de geradores em Sena Madureira.

Ressalte-se que o governador Aníbal Miranda, ao assumir em período eleitoral, conduziu o Acre num clima pacífico e de segurança, garantindo, ao eleitor, decisão livre do seu voto.

Ninguém pode esquecer a grandeza humana e a significação que teve o trabalho iniciado por Ruy Lino, impulsionado pelo deputado Oscar Passos e concluído por Aníbal Miranda Ferreira da Silva.

Entre suas grandes atuações destaca-se, sem dúvida, a obra que no reconhecimento do funcionalismo e do operariado do Acre ficará perpetuada, com gratidão e respeito, marcando sua passagem pelo governo acreano.

O dr. Aníbal Miranda, na verdade, soube honrar e dignificar quantas funções foram-lhe atribuídas no Território do Acre, tendo inclusive chefiado o antigo Departamento de Produção e representado o Acre junto à Superintendência da Produção e Valorização Econômica da Amazônia, alcançando os mais benéficos resultados. Sua capacidade administrativa aliava-se à sua integridade moral.

Quando, por força constitucional, Rio Branco tivera que eleger seu prefeito, fora o nome do Dr. Aníbal lançado, e então o governador José Augusto de Araújo vira chegar sua vez de manifestar-se, veementemente, contrário à indicação. Resistira, energicamente para, enfim, aceitar contra sua vontade, a candidatura e consequente eleição do primeiro prefeito eleito de Rio Branco, Aníbal Miranda Ferreira da Silva.

Foi o Dr. Aníbal Miranda um amazonense que se distinguira fora do seu estado natal, emprestando o valor de sua moral e de sua intelectualidade ao progresso de outra terra e de outras gentes, irmãos de lutas e de ideais.

Isento de paixões, colocando acima de tudo a livre opinião dos seus jurisdicionados, o governador Aníbal Miranda deu sábio exemplo da posição de um homem do Governo, cônscio das mesmas responsabilidades que lhe foram dadas. Em meio ao entrevero das competições políticas que agitavam os estados brasileiros, o governador Aníbal Miranda permanecera surdo ao cântico das sereias que tentavam afastá-lo da rota que traçou, para levar a porto seguro a nau governamental do Acre, através dos temporais das pugnas eleitorais.

Não há como deixar de admirar-se o alto descortineo político do governador Aníbal Miranda e reconhecer-se, especialmente,a sua sólida formação democrática. Dotes até então desconhecidos do povo acreano e que vieram à tona pela perspicácia do governador José Ruy da Silveira Lino.

 

segunda-feira, 20 de maio de 2013

HISTÓRIA QUE O ACRE ESCREVEU José Augusto de Castro e Costa Na década de 50 o Brasil transpirava uma euforia advinda do Pós Guerra e do Estado Novo, revelada na sensível empolgação nacional, vista em vários setores, como na moda, nos costumes, na música, na política, nos esportes, etc. No Acre, o então governador major Guiomard daria ênfase à sua administração, levando a efeito a modernidade do novel Território, promovendo novos ares ao visual, sobretudo, da capital Rio Branco. Entre as novidades, destacava-se a Fonte Luminosa, uma obra exuberante, formada por duas lajes cônicas sobrepostas, em uma coluna central arredondada, a qual, na função de chafariz, produzia uma variedade de jatos d’água luminosos, que, simetricamente multicoloridos, diversificavam, como numa coreografia, movimentos espirais e verticais, harmonicamente crescentes e decrescentes. Edificada no centro da praça e diante o Palácio do Governo, a Fonte Luminosa constituía-se no “point” graciosamente original, orgulho e vaidade dos acreanos que, às noites de domingo, passeavam faceiramente ao seu redor, sob os acordes da Banda de Música, até às 21 horas, quando do encerramento da habitual retreta. Enquanto alguns circundavam incansavelmente a praça, outros quedavam-se a apreciar os dotes musicais, detendo-se nas performances do sargento Adonias, no solo de clarinete do sargento Horácio, no contracanto do trombone do sargento Juvenal, no bombardino do simpático Alcides Miquelino e, sem exagero, em toda a banda de música. Os herdeiros musicais do capitão Pedroca tinham, na verdade, enormes habilidades na execução de seus instrumentos. Em qualquer solenidade oficial ou evento civil, lá estavam Deca, Zé Paulo, Edmundo, Cleomendes, etc., recepcionando a chegada de alguma autoridade, ou ensaiando com um grupo de algum bloco carnavalesco, ou embalando os pares em bailes, ou participando de alguma alvorada abrindo o aniversário de alguém, ou divertindo o intervalo de uma partida de futebol, ou ainda acompanhando um cortejo fúnebre. Os acreanos da década de 50 envaideciam-se, sim, da Fonte Luminosa e da Banda de Música da Guarda Territorial. Os músicos, por sua parte, retribuíam a admiração que lhes dedicavam, com natural acessibilidade, imensurável simpatia e agradável bom humor. Por constituir-se em Força Pública do Acre, a Guarda Territorial era supervisionada pelas Forças Armadas e, em assim sendo, era submetida a regulares inspeções dos órgãos militares da Federação. Ao final de uma dessas missões, o governo do Território, como de costume, promovera no salão nobre do Palácio Rio Branco, uma recepção aos oficiais visitantes, com a participação de alguns elementos da Banda de Música. Entre os músicos estava escalado para o ato, o primeiro clarinetista, sargento Adonias, já habituado a atuar como solista em tais ocasiões. Ao aproximar-se o horário da partida para o Palácio, fora sentida a ausência do sargento Adonias. O comandante do destacamento ordenou a convocação imediata do ausente. Como Rio Branco ainda era uma cidade muito pequena, logo soube-se da impossibilidade do comparecimento do sargento, em vista de seu elevado estado etílico, pousado como estava lá para as bandas do bar do João Bodinho. Diante a situação vexatória o maestro recorrera ao plano B, sargento Horácio, outro exímio clarinetista, o qual, na ocasião, encontrava-se no absoluto repouso de seu lar. Quando dona Albertina deu-lhe a notícia da urgente convocação, o músico, de pronto, apanhou seu clarinete, algumas palhetas e dirigiu-se para o salão nobre do Palácio do Governo, parando antes no bar do Coriolando, no meio do trajeto, para temperar o espírito com umas três talagadas da velha Cocal. Ao chegar no local da solenidade, sargento Horácio, num misto de empolgação com ansiedade, tomou de um só vez todo o conteúdo de um copo grande que o garçom lhe trouxera, provocando-lhe incansável e intermitente disposição, despertando-lhe, em consequência, uma profunda, inesgotável e encantadora inspiração, que, por ser, no momento, o solista principal, passou a arrebatar incessantes aplausos, até dos companheiros. Sabe-se, enfim que, nessa tarde-noite, o sargento Horácio, abastecido por copos e taças transbordantes de estímulos, executou o solo de um belo e transcendental repertório, indo de Ernesto Nazareth a Jacob do Bandolim, de Orestes Barbosa a Pixinguinha, e ainda da Canção do Soldado Acreano (do capitão Pedroca) ao Carnaval do Acre (de Zeca Torres). O efeito foi tão arrebatador e encantador que, ao final da recepção, saíram os músicos do Palácio ovacionados e executando afinados acordes, foram todos banhar-se nas águas da Fonte Luminosa, já com os instrumentos completamente roucos, encharcados que estavam pelo efeito da folia. Embebidos e embalados, todos escaparam, sãos e salvos, músicos e instrumentos!

segunda-feira, 29 de abril de 2013

sexta-feira, 26 de abril de 2013


Viúva Rita

As viagens de Pedro se estendiam mais para o Norte, no estado do Piauí. Esse é o Estado brasileiro litorâneo com menor extensão de costa, porém essa dimensão é privilegiada. Na fronteira com o Maranhão, a oeste, fica o Delta do Parnaíba, o único em mar aberto das Américas. Seu ecossistema lembra a Amazônia, com inúmeras ilhas, lagoas, igarapés, e praias de areia fina e alva tomadas por dunas e coqueiros, lugares belíssimos e históricos. Escavações realizadas nos sítios arqueológicos do Parque Nacional da Serra da Capivara no sudeste do Estado, é considerado patrimônio cultural da humanidade pela Unesco. Ali existem provas que o homem surgiu no continente americano há mais tempo do que se pode pensar. No Parque Nacional das Sete Cidades em Piracuruca podem-se observar formações rochosas de aproximadamente 400 milhões de anos em pinturas rupestres. Andar, por esses belos lugares tinha gosto de aventura uma vez que para Pedro, tornara-se um celeiro de grande aprendizado. Em cada lugar visitado procurava conhecer a história e as características locais.
Ao viajar por esses sertões marcava na agenda os lugares onde deveria abastecer o carro, dormir, fazer refeições e manter contato com moradores, fazendeiros, comerciantes, colhendo junto a estes, informações para seu enriquecimento pessoal. Quando penetrava no sertão, também prestava um bom trabalho social aos seus habitantes. Em visita a esses lugares conduzia encomendas para seus moradores; cartas, remédios, jornais, revistas e até recados pessoais.
Nessas viagens Pedro costumava visitar a fazenda Esperança, propriedade de um casal amigo; Alexandre e dona Tereza, os quais serviam um excelente doce de leite, tradição da culinária da dona da casa. Casal admirável, ela uma senhora de cinquenta e cinco anos e ele, mais maduro, com setenta, no entanto, aparentavam muito menos idade graças a uma vida pacata e saudável que levavam morando no sertão.
Pedro e o casal tornaram-se bons amigos. Eles não tinham filhos mantendo em sua companhia alguns agregados e empregados de confiança que, à noite, reuniam-se no alpendre da casa grande para conversar até a hora de dormir. O sertanejo se recolhe cedo, após a ceia e acorda às quatro da manhã para cuidar dos afazeres que não são poucos. Tereza adoeceu e mesmo fazendo tratamento médico na capital, não resistiu vindo a falecer. Naquela época os recursos médicos eram parcos e as pessoas iam a óbito até numa cirurgia de amígdalas. Assistência médica existia, mas o que realmente faltava eram recursos científicos, especialmente no Norte do País, pois o número de médicos era ínfimo e leitos em hospitais quase não existiam, especialmente para pessoas de baixa renda.
Alexandre ficou viúvo por algum tempo, mas um dia resolveu casar-se com Rosa, moça bonita de apenas vinte e dois anos, filha de João Certeiro, capataz de Alexandre. Diziam que este tinha parte com o demônio, daí ganhou a alcunha de João Certeiro, nunca errava um alvo quando tinha como profissão a pistolagem de aluguel. Certamente não tinha bom coração, no entanto era amigo e capanga de Alexandre que, mesmo conhecendo o seu passado, o tinha como homem de confiança e, agora, também sogro. A mando do genro não hesitaria em matar um boi ou um homem, o que para ele era a mesma coisa.
Ao passar por aquela região, Pedro fazia uma parada para abraçar o amigo, contar as novidades, degustar um bom doce de leite e estreitar os laços de amizade. Não se demorava tanto nas visitas porque não mantinha com Rosa a mesma amizade que teve com dona Tereza. Sendo Rosa muito atraente, bonita e Pedro jovem ainda, era prudente evitar muita aproximação. Pedro se mantinha extremamente cauteloso em relacionamentos com mulheres especialmente quando casadas. Procurava guardar a devida distância. Quando rapazinho havia sido advertido pelo pai que lhe disse:
—Relacionamento com mulher casada cheira a cravo de cemitério ou a muita confusão. Seja cauteloso, não se deixe levar pela impetuosidade de jovem.
Alexandre aproveitava a visita de Pedro e, com ele viajava até a cidade próxima, localizada a dez quilômetros. Juntos iam à feira da cidade que acontecia nos fins de semana. À noite se divertiam no bar do Holanda e no dia seguinte curtiam a ressaca na fazenda. Pedro seguia viagem e o casal ficava no alpendre da casa, acenando até o carro desaparecer na curva da estrada. Isso acontecia a cada mês.
Em uma das visitas acertaram que Alexandre viajaria com Pedro e no dia seguinte voltariam juntos, como de costume. Pedro o deixaria e seguiria para outra cidade onde pernoitaria na pensão da viúva Rita que sempre o aquecia com seus lençóis nas noites frias. Pedro recostado no balcão da farmácia do seu Castello aguardava o amigo Alexandre que dizia ter um assunto muito sério para lhe falar.
Ao se encontrarem foram a um bar, pediram uma cerveja e Pedro ouviu de Alexandre algumas observações sobre o seu relacionamento mais íntimo com Rosa, sua mulher. A idade de Alexandre era setenta e um anos, embora afirmasse ter uma idade bem menor. Alguns homens costumavam negar a idade tão somente por vaidade e Alexandre era um deles, homem aparentemente novo e sadio, mas sua libido havia desaparecido, coisa natural numa idade avançada, mas nada que um tratamento com um bom especialista não pudesse resolver.
Pedro explicou ao amigo que aquele problema poderia ser facilmente resolvido, e que na capital conhecia um médico especialista em geriatria que, com um breve tratamento, faria tudo voltar ao normal e logo ele esqueceria aquele pesadelo. No entanto Alexandre insistiu dizendo:
—Meu caro Pedro, você tem boas qualidades, é novo, bonito, sadio e até tem os olhos verdes, bem que poderia facilitar as coisas para mim, disse Alexandre.
Alexandre parecia falar coisas sem sentido, ou estaria embriagado? Pensamentos fervilhavam na cabeça do assustado caixeiro-viajante que ficou realmente sobressaltado com as palavras do amigo, no entanto, diante daquela situação constrangedora, perguntou ao fazendeiro:
—O que realmente você quer? Seja claro meu amigo, entre nós deve haver sinceridade, jogo aberto, somos velhos amigos, esqueceu? Ou não está me reconhecendo?
—Não esqueci que somos amigos, portanto vou ser mais claro, está bem?
—Sim, fale homem!
Alexandre visivelmente nervoso retornou direto ao assunto:
— Não esqueci que somos amigos e é por isso que quero que faça um filho na minha Rosa. Compreenda minha situação, preciso de um herdeiro, não posso deixar o que é meu para estranhos, como também não posso fazer um pedido desses para qualquer um. Você é um rapaz letrado e experiente por certo há de compreender esse meu estranho pedido. Já tentei por todos os meios e não consigo engravidar minha Rosinha. Pedro ficou assustado, desconcertado, nunca havia recebido uma proposta tão desconcertante e pediu ao amigo um tempo para pensar no assunto. Naturalmente Pedro queria ganhar tempo. Alexandre respondeu que não tinha todo o tempo do mundo e permaneceu em silêncio. Um silêncio sepulcral.
Pedro precisava de um plano para tentar sair daquele imbróglio e pensou indicar um remédio para o amigo. Inventaria o nome de um remédio e diria que iria trazer da cidade, assim ganharia tempo enquanto Alexandre talvez desistisse daquela ideia maluca e dirigindo-se novamente ao amigo disse:
— Na capital conheço um boticário que pode manipular uma fórmula para restabelecer sua libido. Numa semana o remédio estará em suas mãos, você toma durante um mês e depois nem se lembrará de que teve esse pequeno problema, o que você acha? Você nem precisa pagar, eu lhe oferto o tratamento.
— Acho que você está querendo me enganar, preciso resolver isso é imediatamente, já esperei demais. Isso que você falou eu já fiz sem nenhum resultado, venho tomando remédios receitados pelo Dr. Pitágoras há mais de dois anos, respondeu o nervoso fazendeiro.
- Pode ser que o Dr. Pitágoras não tenha acertado, eu conheço outro especialista muito bom, posso inclusive levá-lo ao seu consultório, disse Pedro.
− Alexandre permaneceu em silêncio, depois disse: Quero que você faça o que eu pedi, do contrário vamos nos desentender, apesar de sermos amigos.
Pedro viu que a coisa era séria e argumentou que não poderia ser pai com apenas vinte anos, especialmente com a mulher de um amigo. Isso definitivamente não estava nos seus planos e insistiu que Alexandre deveria fazer um tratamento médico e tudo ficaria resolvido. Pedro lembrou ao amigo que manter relação sexual com a mulher dos outros, além de ser imoral, quando a pessoa morre vai direto queimar no fogo do inferno. Insistiu dizendo que seu primo, padre Oicani dormia com a mulher dos outros e quando morreu, um dia em plena hora da missa, apareceu pedindo para rezarem por ele que estava no inferno. Alexandre era muito católico e poderia sensibilizar-se com as palavras de Pedro, mas nem essas colocações de Pedro foram suficientes para mudar a atitude do fazendeiro, pois ele sabia que Pedro o estava enrolando.
Silenciaram, e a conversa ficou por ali mesmo. Por volta das quinze horas, Pedro, em companhia do amigo, colocou o carro na estrada de volta à fazenda. Pouco se falaram. Pedro deixaria o amigo na fazenda e logo mais estaria em Esperantina, bela cidade onde morava a viúva Rita.
Ao chegarem à casa de Alexandre, Pedro desceu do Jipe para um breve descanso, cumprimentou Rosa e os demais que se encontravam na varanda.
— Boa-tarde para todos!
— Boa-tarde! Respondeu Rosa com um belo e ingênuo sorriso.
Já sentado e saboreando um bom doce de leite, Pedro falava alguma coisa sobre a fazenda, quando de súbito Alexandre voltou ao assunto e, agora em tom de imposição dizia:
− Quero que você faça o que mandei, não tenho herdeiros e ao morrer não deixarei minhas fazendas para e desconhecidos. Se o amigo aceitar minha proposta, tudo bem, se não, usarei outros meios para convencê-lo.
E passando a mão na cintura mostrou um revólver, calibre 38 com cabo de madrepérola, arma usada pelos ricaços fazendeiros da região. Pedro levou a mão ao bolso, mas lembrou-se que estava desarmado. Ingenuamente Rosa o olhava como quem quer dizer alguma coisa, mas temerosa, nada falou.
— Pedro, fique quieto, não me force a matá-lo. Não sou homem que deixa as coisas só na ameaça, disse o intrépido fazendeiro.
Silêncio! Pedro mudou de atitude e fitava os olhos do fazendeiro como se estivesse em um jogo de pôquer; não disse uma só palavra e embora não demonstrasse, estava receoso, mas não aceitaria a imposição do fazendeiro, e imaginava uma saída estratégica. Estavam à sua frente o fazendeiro e uma dupla de homens bem-armados. Pedro imaginou reagir, mas inadvertidamente havia deixado sua pistola automática no carro. Se estivesse com a arma, eles não seriam páreos para ele, pensou. Pedro conhecia armas e era um exímio atirador, e assim, os abateria em fração de segundos. Disso ele tinha certeza, pois já havia se deparado com situações bem piores e saiu vitorioso, porém fugia de conflitos como o demônio da cruz. Entendia que o melhor ataque é uma boa retirada. Pedro manteve-se calmo, sereno, pelo menos aparentemente. Naquele momento passava em sua lembrança toda a sua vida, tal qual um filme, estava vendo a morte de perto, mas precisava de muita calma.
Pedro não via nos olhos de Alexandre a intenção de matá-lo, apenas queria assustá-lo. Nesse instante Rosa surgiu no alpendre, que inteligentemente veio abrandar aquele momento de tensão. Estava linda, com um vestido vermelho com renda branca e caminhou em sua direção. Pedro observava o movimento dos capangas sem tirar os olhos do andar faceiro e provocante de Rosa que olhou para ele como quem quer falar alguma coisa, mas delicadamente permaneceu em silêncio, Pedro entendeu a mensagem e manteve-se calmo como um bom marinheiro em tempestade no alto-mar. Pedro deduziu que o fazendeiro armado com dois capangas não queria matar, mas apenas intimidar e agradeceu a Deus por não estar armado, pois se estivesse teria mandado os três cumprimentar o diabo lá no inferno.
Alexandre manteve-se no mesmo lugar, mas um dos capangas constantemente dava uma cusparada e coçava a arma e o saco. O outro não tirava a mão do cabo do revólver. Aqueles gestos deixavam Pedro em alerta. Conhecia os homens daquela região, matar uma pessoa ou um carneiro para eles era a mesma coisa. Alexandre sentia-se humilhado; sua mulher havia sido rejeitada, e por isso era capaz de tudo, mas entre eles ainda existia alguma consideração, imaginava Pedro. E ademais, matar Pedro seria a última coisa que Alexandre faria, pois morto Pedro não engravidaria sua mulher.
— Se me matarem, o plano dele vai por água abaixo! — falava Pedro para si mesmo.
─ Quem me dera estar sob os lençóis da viúva Rita, falava Pedro para si mesmo.
Era um momento de tensão, como acontece em um jogo de pôquer. Alexandre conhecia alguma coisa sobre Pedro, mas não sabia tudo, não imaginava do que ele seria capaz, tinha jogado todas as cartas, agora era a vez de Pedro mostrar seu talento. Porém, Alexandre querendo dar um segmento ao seu projeto e evitando naquele momento uma resposta negativa de Pedro que naturalmente o forçaria a tomar uma atitude, anunciou que iria visitar uma propriedade e só voltaria no dia seguinte.
— Estou mesmo precisando dar uma volta por minhas fazendas, as onças estão comendo meu gado, e dirigindo-se diretamente a Pedro, disse em tom imperativo:
— Permaneça na fazenda, pense na minha proposta e faça o que eu mandei. Aliás, não pense, tome uma providência. Se tiver amor a sua vida, faça o que eu determinei, disse o raivoso Alexandre.
O fazendeiro estava decidido alcançar seu objetivo mesmo que tivesse que usar de violência, mas Pedro não tinha certeza disso. Calado, Pedroobservava seus movimentos e desejou-lhe boa viagem, mas intimamente queria mesmo era que uma cobra o matasse, mesmo lembrando-se dos conselhos da mãe que o ensinou a não desejar o mal a ninguém. Em particular o fazendeiro falou com Rosa e os dois capangas, em seguida, despediu-se e galopando em sua montaria velozmente se afastou deixando poeira na estrada e corações aflitos. Pedro pensava como sair daquela encrenca, e que encrenca! Refletia com preocupação. Fazia algum tempo que tinha se deparado com uma confusão dessas e lembrava-se do quanto tinha sido difícil sair. Rosa ordenou que os capangas se mantivessem a distância e recebeu Pedro numa sala de estar pedindo-lhe desculpas pelo mau comportamento do seu marido. Ela não concordava com o procedimento dele e fez Pedro compreender sua posição, explicando que o esposo não soube conduzir a situação usando grosseria e violência.
— Por esses sertões os homens são embrutecidos como você bem conhece, às vezes são rudes, mas têm bom coração, muitas vezes são incapazes de cumprir ameaças, mas intimidam por não conhecerem outros meios de lidar com problemas, disse a mulher.
— É verdade, disse Pedro com um breve sorriso.
E acrescentou:
— Eu compreendo a situação do Alexandre, ele me explicou as verdadeiras razões de seu comportamento, mas bem que ele poderia ter procurado outro homem, eu sou seu amigo, pelo menos era. Não sei como será daqui para frente.
—É verdade, mas ele só lhe fez a proposta porque é seu amigo, o admira e eu também sou sua amiga e o estimo. Também é verdade que ele me consultou antes de lhe falar, mas eu o aconselhei a não usar de violência. Reconheço que ele foi extremamente grosseiro com você. Confesso que se coubesse só a mim esta escolha, teria feito diferente, agora talvez possamos nos entender! — Com um sorriso brejeiro, disse Rosa.
—É possível, eu amo a paz, disse ele.
─ E eu a você, completou a bela jovem.
—Então podemos chegar a um acordo, somos jovens, é possível que possamos ver as coisas pelo mesmo ângulo, concorda?
—Sim, podemos nos entender. Você manda os capangas me deixarem em paz e eu sigo meu caminho.
Rosa sorriu, dizendo:
—Será que não sou atraente. Não tenho o mínimo de beleza que você possa admirar? Será que a viúva Rita é mais bonita do que eu?
—Eu não quis dizer isso. Você é uma moça encantadora. Não sei o que está fazendo nesse distante sertão. Como sabe entre mim e a viúva? Perguntou o caixeiro-viajante.
− No sertão os passarinhos nos trazem as notícias, sorrindo respondeu Rosa.
Rosa sabia que era bonita. Estava naturalmente jogando o laço e procurando facilitar as coisas com seu poder de sedução. Ela parecia ter mais maturidade do que Pedro e liderava a situação, usando a sedução, arma natural das mulheres inteligentes. Pedro aceitou até porque não via outra saída honrosa naquele momento, e de alguma forma sentia-se atraído pela moça.
Para descontrair convidou-o a acompanhá-la numa bebida, achava que as coisas não se resolveriam daquela maneira e propôs ter uma longa conversa, Pedro aceitou. Os homens de Alexandre guarneciam a casa, assim, não poderia fugir e assim a melhor forma de resolver aquele imbróglio seria se entender com Rosa que, a essa altura, mostrava serenidade, equilíbrio e firmeza, atributos que faltavam ao marido que, em completo desespero, com um revólver ameaçava o bom amigo. Alexandre desconhecia a capacidade de negociação que Pedro tinha, especialmente com mulheres de sua idade. Rosa levantou-se e foi até ao bar, Pedro sentado observava o movimento sensual dos seus quadris. Ela percebeu seu olhar, voltou-se e com um sorriso maroto, perguntando:
— Aceita mais alguma coisa?
— Aceito, sim, respondeu sorrindo.
À noite, Pedro e Rosa, sentados na varanda da casa, conversavam animadamente, às dezenove horas foi servido o jantar. Mais calmo Pedro falava das viagens, aventuras, cidades grandes que conhecia e do apreço que tinha por aquele lugar. A casa da fazenda era imensa, com paredes externas de tijolo aparente e varandas ao redor. Casa edificada na parte mais alta do terreno de onde se observavam um açude. Mais distante o curral dos animais, campos verdes e muito além uma montanha, onde Alexandre dizia ser a morada das onças que constantemente abatiam pequenas rezes do rebanho.
Noite fria e silenciosa. Apenas se ouviam o barulho do chocalho das ovelhas e o berro dos touros juntos da boiada. Na sala, um lampião a gás iluminava o ambiente aconchegante, e Rosa acompanhava Pedro num uísque. Ela exercia todo seu poder de sedução procurando granjear sua simpatia. Cauteloso, Pedro esperava que ela tomasse a iniciativa para qualquer ação. Subitamente ela veio aos seus braços e convidou-o para seus aposentos e Pedro não resistiu aos seus encantos. Deitaram-se! Pedro escutava os passos dos pistoleiros em volta da casa, porém, mais intenso e forte eram as batidas do coração de Rosa sobre o seu peito. Depois sob os lençóis perfumados nada mais conseguiu ouvir do exterior da casa. Sem a presença do marido, Rosa mostrava-se mais carinhosa, desenvolta, sedutora e segura de si.
Pedro despertou ouvindo o cantar dos passarinhos. Era manhã e Rosa estava de pé na cozinha junto a outras mulheres preparando um bom café. Carneiro assado na brasa, coalhada, leite fresco e café moído na hora. Cantando e sorrindo Rosa veio ter com Pedro, convidando-o para o café. Juntos e felizes sentaram à mesa. As mulheres cochichavam sorrindo. Pedro imaginava o que elas estariam a conversar, mas sua atenção estava voltada para a bela Rosa, sua anfitriã e, agora, também mulher...
Conversavam animadamente, quando surgiu na estrada um apressado cavaleiro; era Alexandre. Desmontou, olhou para Rosa e ela o cumprimentou, com um sorriso de vitória, era o sinal, estava tudo definitivamente certo. O fazendeiro num gesto de humildade se desculpou e Pedro despediu-se seguindo viagem numa velocidade acima do normal. Um mês depois, Rosa pediu ao marido para ir à capital a fim de comprar o enxoval para o bebê que nasceria em breve.
Tendo Rosa a seu lado Pedro dirigia o Jipe pelas ruas da capital. Os belos cabelos castanhos da moça esvoaçavam com o vento quente do lugar. A vontade de Alexandre havia sido cumprida. Pedro nunca mais voltou à fazenda do seu bom amigo Alexandre.








Nenhum comentário:

terça-feira, 23 de abril de 2013


Papa Francisco e o Milagre Eucarístico em Buenos Aires



















 




 

 

quinta-feira, 11 de abril de 2013


A  GAZETA DO PURUS

                              Jose Augusto de Castro e Costa

Consubstanciado e convertido em livro, com prefácio do eminente e não menos querido poeta “senamadureirense”  Jorge Tufi, posso dizer que  tenho em mãos 134 números do  jornal A GAZETA DO PURUS, periódico acreano, surgido em Sena Madureira, nos idos de 1918.

Sena Madureira,  à  época,  constituía-se na principal cidade do Departamento do Alto Purus, quiçá do Acre, vivia uma política efervescente e já contava com três jornais: o Estado do Acre, o  Brazil  Acreano  e a  Gazeta do Purus, dirigido este pelo Dr. Victoriano Freire, redigido pelo Dr. Areal Souto e secretariado por Pedro Riquet Nogueira.

Por  fazer oposição ao prefeito Fernando Dias Ferreira, o semanário atravessou sérias dificuldades. Porem, em 1920, apesar de seu redator-chefe, Areal Souto, ser eleito Prefeito do Município do Purus, o jornal já não apresentava a sua regularidade inicial, como esperara-se.

A estatística de Sena Madureira apresentava um universo de 3.044 habitantes dos quais, 1.258 eram mulheres e 1.786 homens. Pouco mais de sete por  cento dessa população era composta de sírio-libaneses, portugueses, peruanos e bolivianos.

Constituíam o "cast" das principais autoridades regionais, o prefeito do Departamento do Alto Purus, o intendente municipal, o juiz de direito, o promotor federal, o presidente do conselho municipal, os secretários da Prefeitura e do Município, o comandante da Companhia Regional e os juízes de paz. Vários advogados, médicos, dentistas, farmacêuticos e contabilistas labutavam em Sena Madureira, que abrigava ainda um sem-número de comerciantes, seringalistas e funcionários públicos.

Dois dos orgulhos de Sena Madureira, na época, eram sua linha de bondes puxados a burro e as diversas ruas bem delineadas, com valas de drenagem, entre as quais se destacavam a rua Macauã, a Xapury, a Amazonas, a Canamary e a Purus.

Em Sena Madureira militavam, por esse tempo,  duas correntes políticas, que, para variar, digladiavam-se  violentamente. Do lado do governo estava o Partido Republicano do Alto Purus, o PRAP, onde destacavam-se o prefeito Muniz Varela, o Intendente Cesarino Doce, e ainda Victoriano Freire, Orlandino Cardoso, Areal Souto, Soares Bulcão, grande numero de seringalistas e uma cisão da Loja Maçônica Fraternidade e Trabalho, que contava com suas ideias divulgadas pela Gazeta do Purus.

Entre os opositores  destacavam-se os Drs. Flaviano Flavio Baptista, Antonio Costa Gadelha, José Martins de Freitas e Barbosa Lima, apoiados pelo “O Jornal”.

As lutas entre os dois grupos políticos, através das paginas dos jornais, eram intensas, sem tréguas e visceralmente avassaladoras,  despidas de respeito e pudor às famílias e à honra pessoal, atingindo níveis agravantes. Política à parte, porém, Sena Madureira exalava momentos deleitáveis.

A Gazeta do Purus publicava, além do movimento político,  fatos que abrangiam o noticiário nacional e estrangeiro, atos oficiais, colunas sociais, nascimentos, aniversários, casamentos, obituários, anúncios diversos,  revelando o apogeu da cidade, apresentando dados estatísticos sócio econômicos locais, estendendo  espaço às atividades artísticas e literárias, onde destacavam-se os poemas antológicos para a época em que eram publicados, os quais, se não superam ao que era produzido nos grandes centros, nada lhes ficarão a dever. A propósito, ressalte-se o soneto de Areal Souto, publicado na edição n° 35, de 25.9.1924, da Gazeta do Purus:

TERRA  ACREANA

Um crivo ao solo – é o rio,  um só plano –  a floresta,

Ao fundo – o seringal,  mais adiante –  a fronteira.

Eis  a terra  onde  outrora,  a lutar testa a testa

Um povo audaz repele a cobiça  estrangeira.

 

 Plácido de Castro ...  é uma sombra que resta

Saudosa tradição dessa estirpe guerreira

Que  inda  traz  a  cantar,  n’algum lugar de festa,

O Hino da Conquista –  o infeliz   Mangabeira.

 

Terra de  sacrifícios  e  de lutas  mortais,

Vale  de  Josafá,  fonte de tantos ais ...

Tebas,  Palmira,  Assur,  desmoronadas  portas !

 

Como  devem  te  olhar  estes  gênios  de  escombros

Como  deve  ser  triste  apertar  em  teus  ombros

O  sudário  fatal  de  outras  cidades  mortas.

 

A edição de nº 128,   de 30.9. 1923 noticia que  o então governador do Acre, José Thomaz da Cunha Vasconcelos, programou e efetivou visita à próspera cidade do Departamento do Alto Purus e foi alvo de excelente acolhida, bem típica da época.

A viagem entre a capital  Rio Branco e Sena Madureira foi feita por terra, a cavalo, durante três dias, tendo governador e comitiva percorrido tortuosos varadouros, cerrados, mata fechada, num percursos de mais de 50 léguas.

Cercado de altas autoridades do município e de sua comitiva, o governador Cunha Vasconcelos assistiu a missa que dava início às solenidades de que foi alvo, as quais culminaram com um banquete no Hotel Central.

É através  da Gazeta do Purus que se tem conhecimento  de que a Prelazia do Acre, separada da Diocese do Amazonas, foi criada pelo Papa Bento XV, através da bula “Universas Regimen”, de 04.10.1919, com sede em Sena Madureira, e entregue  à Ordem dos Servos de Maria, que teve como primeiros representantes os Padres Tiago Mattioli  e  Miguel Lorenzini.

Sabe-se que em 1920 o Acre foi unificado, tendo naturalmente sido extintos os  quatro Departamentos  e sendo escolhida, para capital do Território, a cidade de Rio Branco.  Inconformados, os habitantes do Alto Purus protestaram e muito lutaram pela primazia.

Durante a incansável reivindicação, corre a noticia de que, em Sobral, no Alto Purus, uma onça havia matado e devorado uma mulher e duas crianças, enquanto dormiam. Um jornal de Rio Branco, “O Futuro”, aproveitou para estampar  um comentário, na noticia, emitindo textualmente que “ em uma cidade em que as onças comem famílias inteiras, ainda querem que seja a capital”.

Os puruenses sentiram-se feridos com o comentário mordaz e esperaram um certo tempo para rebater, o que ocorreu quase um ano depois, quando a Gazeta do Purus transcreveu uma noticia da “Folha do Acre”, outro jornal de Rio Branco, de que, “nos quintais das casas da rua Rio Grande do Norte, ao lado do grupo escolar, apareceu uma onça, que andou fazendo algum alvoroço, tendo sido, afinal, morta por um magistrado,  morador naquela rua”.

E vem o desfecho, após longa espera:

“Credo! Depois disto e daquilo outro, ainda lá querem o bispo? Pena que o animalsinho  não tenha sido morto por algum redator de “O Futuro”. Em todo caso achamos que o couro deve ser remetido para o Rio, à grande Exposição Nacional de 1922”.

As referências ao bispo prendiam-se ao fato da Prelazia do Acre e Alto  Purus,ser sediada em Sena Madureira, com o que os acreanos de Rio Branco jamais  se conformaram. 

Graças à Gazeta do Purus, tornamo-nos conhecedores de boa parte do cotidiano de Sena Madureira, no período  de 13.06.1918 a 25.09.1924, das atividades políticas, econômicas e culturais de uma então próspera cidade e ficamos  admiradores do empenho de um grupo de idealistas que, mesmo isolados no interior mais remoto do Brasil, não permitiam a estagnação intelectual, e sim, representavam uma fase em que a imprensa brasileira atingia as pequeninas cidades.