segunda-feira, 20 de maio de 2013

HISTÓRIA QUE O ACRE ESCREVEU José Augusto de Castro e Costa Na década de 50 o Brasil transpirava uma euforia advinda do Pós Guerra e do Estado Novo, revelada na sensível empolgação nacional, vista em vários setores, como na moda, nos costumes, na música, na política, nos esportes, etc. No Acre, o então governador major Guiomard daria ênfase à sua administração, levando a efeito a modernidade do novel Território, promovendo novos ares ao visual, sobretudo, da capital Rio Branco. Entre as novidades, destacava-se a Fonte Luminosa, uma obra exuberante, formada por duas lajes cônicas sobrepostas, em uma coluna central arredondada, a qual, na função de chafariz, produzia uma variedade de jatos d’água luminosos, que, simetricamente multicoloridos, diversificavam, como numa coreografia, movimentos espirais e verticais, harmonicamente crescentes e decrescentes. Edificada no centro da praça e diante o Palácio do Governo, a Fonte Luminosa constituía-se no “point” graciosamente original, orgulho e vaidade dos acreanos que, às noites de domingo, passeavam faceiramente ao seu redor, sob os acordes da Banda de Música, até às 21 horas, quando do encerramento da habitual retreta. Enquanto alguns circundavam incansavelmente a praça, outros quedavam-se a apreciar os dotes musicais, detendo-se nas performances do sargento Adonias, no solo de clarinete do sargento Horácio, no contracanto do trombone do sargento Juvenal, no bombardino do simpático Alcides Miquelino e, sem exagero, em toda a banda de música. Os herdeiros musicais do capitão Pedroca tinham, na verdade, enormes habilidades na execução de seus instrumentos. Em qualquer solenidade oficial ou evento civil, lá estavam Deca, Zé Paulo, Edmundo, Cleomendes, etc., recepcionando a chegada de alguma autoridade, ou ensaiando com um grupo de algum bloco carnavalesco, ou embalando os pares em bailes, ou participando de alguma alvorada abrindo o aniversário de alguém, ou divertindo o intervalo de uma partida de futebol, ou ainda acompanhando um cortejo fúnebre. Os acreanos da década de 50 envaideciam-se, sim, da Fonte Luminosa e da Banda de Música da Guarda Territorial. Os músicos, por sua parte, retribuíam a admiração que lhes dedicavam, com natural acessibilidade, imensurável simpatia e agradável bom humor. Por constituir-se em Força Pública do Acre, a Guarda Territorial era supervisionada pelas Forças Armadas e, em assim sendo, era submetida a regulares inspeções dos órgãos militares da Federação. Ao final de uma dessas missões, o governo do Território, como de costume, promovera no salão nobre do Palácio Rio Branco, uma recepção aos oficiais visitantes, com a participação de alguns elementos da Banda de Música. Entre os músicos estava escalado para o ato, o primeiro clarinetista, sargento Adonias, já habituado a atuar como solista em tais ocasiões. Ao aproximar-se o horário da partida para o Palácio, fora sentida a ausência do sargento Adonias. O comandante do destacamento ordenou a convocação imediata do ausente. Como Rio Branco ainda era uma cidade muito pequena, logo soube-se da impossibilidade do comparecimento do sargento, em vista de seu elevado estado etílico, pousado como estava lá para as bandas do bar do João Bodinho. Diante a situação vexatória o maestro recorrera ao plano B, sargento Horácio, outro exímio clarinetista, o qual, na ocasião, encontrava-se no absoluto repouso de seu lar. Quando dona Albertina deu-lhe a notícia da urgente convocação, o músico, de pronto, apanhou seu clarinete, algumas palhetas e dirigiu-se para o salão nobre do Palácio do Governo, parando antes no bar do Coriolando, no meio do trajeto, para temperar o espírito com umas três talagadas da velha Cocal. Ao chegar no local da solenidade, sargento Horácio, num misto de empolgação com ansiedade, tomou de um só vez todo o conteúdo de um copo grande que o garçom lhe trouxera, provocando-lhe incansável e intermitente disposição, despertando-lhe, em consequência, uma profunda, inesgotável e encantadora inspiração, que, por ser, no momento, o solista principal, passou a arrebatar incessantes aplausos, até dos companheiros. Sabe-se, enfim que, nessa tarde-noite, o sargento Horácio, abastecido por copos e taças transbordantes de estímulos, executou o solo de um belo e transcendental repertório, indo de Ernesto Nazareth a Jacob do Bandolim, de Orestes Barbosa a Pixinguinha, e ainda da Canção do Soldado Acreano (do capitão Pedroca) ao Carnaval do Acre (de Zeca Torres). O efeito foi tão arrebatador e encantador que, ao final da recepção, saíram os músicos do Palácio ovacionados e executando afinados acordes, foram todos banhar-se nas águas da Fonte Luminosa, já com os instrumentos completamente roucos, encharcados que estavam pelo efeito da folia. Embebidos e embalados, todos escaparam, sãos e salvos, músicos e instrumentos!