sexta-feira, 21 de setembro de 2012


BRASILEIRO POR OPÇÃO-XVIII

                 José Augusto de Castro e Costa

 

A emboscada boliviana na “Volta da Empresa” repercutira como um verdadeiro desastre, chegando a pronunciar-se o pânico no seringal “Liberdade”, que Plácido, após a batalha, encontrara inteiramente deserto, tendo o próprio dono da cabana, tomado de terror, fugido com a família.

Contudo, o Caudilho não desanimara, de vez que sabendo-se ser um guerreiro completo,  houvesse  ele lutado em campo mais amplo, com comandados um pouco mais experientes, teria alcançado melhor resultado.

A estreia, com efeito, trouxera-lhe aproveitável lição. Estudando as causas da sensível baixa, Plácido de Castro verificara que todos os mortos e feridos vestiam-se de roupas claras, o que favorecera ao inimigo alvo certeiro. Imediatamente ordenara  que  os soldados brasileiros providenciassem uniforme azul, o mais rápido possível, conseguindo-o  em poucos dias, graças à boa vontade de todos, sem exceção.   

Reorganizadas as forças, Plácido traçara o plano de ataque a “Nova Empresa” e, para lá, pôs-se em marcha, com um contingente importante, em face do acréscimo de mais de cem homens tirados do seringal do coronel  Antonio Antunes de Alencar.  

Precisamente no dia 2 de outubro estavam diante dos bolivianos novamente os acreanos, contando com a participação dos senhores Antunes de Alencar, Alexandrino Silva, que anos depois protagonizaria triste episódio, Gastão de Oliveira e outros.   Todos reconheceriam  a supremacia militar de Plácido de Castro, ocasião em que o aclamaram general, fato que recebera  o declínio do Caudilho, não apenas por modéstia, mas sobretudo para evitar mau precedente de promoções por pronunciamentos.

A 5 de outubro, conforme planejado, os acreanos atacaram a “Volta da Empresa”, simultaneamente, pelo lado de cima e pela retaguarda.

Segundo apontamentos do próprio Plácido, “estando marcado o combate para às 10:00 da manhã, no momento em que o inimigo deveria estar descansando da formatura, tal não acontecera, porque o coronel Alencar mandara, às 9:30 atirar em uma sentinela inimiga, o que  alterara bastante o resultado, pois não pudera o inimigo ser colhido de surpresa”.     

Com efeito, a batalha fora iniciada, com os acreanos abrindo fogo, com muita bravura e contagiante vigor, avançando sob um furacão de balas e desalojando os bolivianos de suas trincheiras, improvisadas no gaiola “Rio Afuá”, sequestrado pelo inimigo, que surpreendido pela vazante, ficara encalhado  no porto da “Volta da Empresa”, sob violenta pressão, mostrando haver enfraquecido o âmbito da defensiva.

A noite o combate fora suspenso , a fim de que os mortos fossem enterrados e os feridos conduzidos para o hospital de emergência, na “Volta da Empresa”.

Logo ao amanhecer os bolivianos perceberam que estavam completamente  cercados  por elementos hostis, tais como uma frente humana de brasileiros abrindo fogo incessante,  o paredão verde da floresta que os isolava de suas bases e, finalmente, o rio Acre minguando as precárias águas do estio, natural da época, que seria o caminho de Puerto Alonso, de onde deveriam chegar os recursos.  O rio seco, bloqueado pelos acreanos, completara a linha eficiente do  bloqueio, impedindo o inimigo até de buscar água para beber.     

Plácido de Castro sempre procurava demonstrar o traço humano na guerra que empreendia, razão pela qual oferecera  garantias para rendição,  ao Coronel Rosendo Rojas, Comandante das Forças Bolivianas em Volta da Empresa, estabelecendo bases condicionais para a suspensão das hostilidades, entre as quais, bloqueio do abastecimento de víveres e de água  para os sitiados.

Apesar do caráter humanitário, o Caudilho era inflexivelmente severo, a ver-se pela atitude para a execução de Antonio Português, o guia da coluna Coronel Rojas, preso por oficiais acreanos, para quem ordenara o imediato fuzilamento, após o qual, alguém vira rolar duas lágrimas dos olhos do gaúcho.

O combate da “Volta da Empresa” tivera prosseguimento por quase onze dias, quando, depois de algumas  trocas de correspondências,  o armistício seria aceito, contido na  resposta afirmativa do Coronel Rozendo Rojas. Plácido, então, mandara elaborar uma Ata, redigida em português e espanhol, na qual constara garantia de vida para o Comandante e seus oficiais e soldados bolivianos, liberdade a todos os prisioneiros, licença aos indígenas carregadores e soldados casados para regressassem  à Bolívia, via “Madre de Dios”, sob o comando de seus superiores, enquanto o Coronel Rosendo  Rojas e demais aprisionados  seguiriam para seu país, com baldeação por Manaus.

Plácido de Castro começara a provar ser um brasileiro inclinado à lealdade, à honra  e ao cavalheirismo, de espírito elevado no momento de receber o adversário vencido. Levando consigo cerca de 60 homens, descera  o rio levando os bolivianos presos  até o Antimarí, de onde prosseguiram para Manaus, com destino à Bolívia.

Ao regressar, por outro caminho, um varadouro para “Bom Destino”, Plácido tomou conhecimento da derrota da pequena força acreana no igarapé “Baía”, onde  um pequeno número de brasileiros fora vítima de fuzilamento e outros queimados dentro do barracão.

Atravessando a floresta densa, o Caudilho atingira, a 17 de novembro, com um total de 400 homens, a barraca Bela Vista, em Santa Rosa, no rio Abunã, onde, na manhã seguinte, seus pelotões delinearam o ataque, com imenso tiroteio contra as linhas bolivianas, protegidas por trincheiras de borracha, em combate que durara cerca de cinco horas, terminando com a dispersão das tropas inimigas, evadindo-se pelo emaranhado da selva. Os brasileiros concluíram o ataque, que se configurara no terceiro combate, ateando um vasto incêndio às casas e trincheiras bolivianas.

De Santa Rosa Plácido invadira a Bolívia, tomando “Palestina”, posto boliviano abastecido pelo quartel-general de Riberalta para, no princípio de dezembro  dirigir sua tropa a  Xapurí, de onde partiria para  o quarto combate, no lugarejo denominado Costa Rica, guarnecido por 100 bolivianos.

A 25 de outubro, Dom Lino Romero, Delegado boliviano em Puerto Alonso, sentindo bem claro a situação dos acontecimentos desencadeados no Acre, escrevera ao presidente da Bolívia, fazendo relato da revolução acreana, em que insinuara que seu país não deveria sacrificar-se por causa estéril, como a encontrada naquela região tão adversa à sua natureza e que, por natureza, não lhe pertencia. Em certo trecho, escrevera textualmente  Dom Romero, que “ El Acre nominalmente ES de Bolivia, pero materialmente ES Del Brazil, todo contribuye à ello; inmensas distancias y obstáculo que ló separan Del resto Del paiz, La población extraña que ló Puebla, La falta de vias de comunicación dentro Del mismo território y finalmente La imposible adaptación de nuestra raza a este clima mortífero............Se AL Brazil apetece El Acre, que ló posea em buena hora.........Tengo a bien comunicar a ud que el Sr. Placido de Castro y demás jefes enemigos se han portado com nuestros prisioneros com toda nobleza y cavallerosidad” .

Na missiva ao Presidente da Bolívia, Dom Lino Romero argumentara que povos poderosos não puderam manter sob seu domínio seres de outra raça e outros costumes, e os bolivianos, ainda em estágio débil e embrionário, não poderiam contrariar uma lei histórica comprovada a cada passo. Para a autoridade boliviana o Acre nunca poderia ser da Bolívia.

Porém  esmorecer, em descumprimento de ordens, jamais! Os bolivianos, em Puerto Alonso, procuraram restituir o ânimo para enfrentar toda a adversidade que o destino lhe houvera traçado. Cavaram trincheiras, derrubaram árvores, instalaram cercas de arame farpado, intensificaram o patrulhamento, verificaram o estado  e armaram em prontidão o canhão tomado aos “Poetas” dois anos atrás. Enfim, mantiveram-se em alerta.

No princípio de janeiro de 1903, o Acre, ao norte da chamada linha Cunha Gomes, estava livre de bolivianos que, batidos por toda parte recuaram a território incontestável, concentrando-se em Puerto Alonso, onde o Coronel Lino Romero ainda dispunha de certa quantidade de soldados para a defesa de sua autoridade combatida, desacatada  e periclitante, a qual, ele próprio, mantinha sem entusiasmo, por simples lealdade ao governo de seu país, conforme definira com a expressão de que “El Acre nominalmente ES da Bolivia, pero materialmente, ES Del Brazil”.

Dom Lino Romero fixara-se em Puerto Alonso, com sua autoridade limitada e encurralada, entre a floresta e o rio, com um quartel-general dos revolucionários ali próximo, em Caquetá, e entre os flancos  as tropas de Plácido de Castro, ditador em toda a região, por aclamação popular. Sentira-se prisioneiro em sua própria cidadela, Puerto Alonso.

De salientar que Plácido de Castro, com sua saúde precária, em vista dos ataques do implacável impaludismo, caracterizado por longas e graves acessos de febre, que ocasionam frequentemente o estado comatoso, o qual precede a morte, exercera  uma quase onipresença nos lugarejos do Acre. Quando não podia caminhar ou montar, era carregado numa rede para, no ponto necessariamente pré-estabelecido, erguer-se e, não só comandar, mas também proceder a artilharia. Já comandara efetivamente quatro combates atemorizantes.

A providencia de estar presente onde fizera-se necessário, sempre desmentira  os boatos espalhados, com relação à morte do Caudilho e consequente fracasso do movimento.

Contudo, a superioridade que os acreanos levavam sobre os bolivianos era incontestável e enlevavam a alma dos revolucionários. Plácido vira, como estímulo, o aumento considerável de seu exército, regularmente eficiente para as próximas ações. 

                                                                                                        

BRASILEIRO POR OPCAO-XVII

                   José Augusto  de Castro e Costa

 

Em Xapuri as autoridades bolivianas não eram muitas e estavam alojadas em três casas: na Intendencia, onde residia o próprio Intendente, Dom Juan de Dios Bulientes, na de Alfredo Pires e na de Augusto Nunes, português, colaborador dos bolivianos.

Ao saltar em terra, Plácido de Castro dividira a pequena força de 33 homens em três grupos, para atacar simultaneamente as três casas, reservando para ele a do centro, onde funcionara  a Intendência.

Penetrando  onde achara-se o Intendente, de lá, em silêncio,  retiraram algumas  carabinas e  dois cunhetes de balas, para em seguida chamar  o comandante em alto brado, o qual, ainda sonolento respondera: “Es temprano para la fiesta”, ao que Plácido, elevando o tom,  retorquiu: “Não festa, Sr. Intendente, é revolução”.

Levantaram-se, sobressaltados , o Intendente e os  seus comandados. Deixando-os sob guarda, Plácido dirigira-se  à casa de Augusto Nunes, onde Moreira nada houvera feito.  Ali todos foram presos, enquanto  o coronel Galdino já viera da casa  de Alfredo Pires, escoltando vários bolivianos, caracterizando-se assim, o inicio da revolução acreana.

Neste mesmo dia 6 de agosto continuaram a reunir gente, verificando o Caudilho que alguns proprietários prometiam tudo, mas em verdade mostravam-se receosos.  O coronel Jose Galdino era quem agia com mais desassombro, sem parcimônia.

Plácido convocara uma reunião para a madrugada seguinte, a qual se realizara conforme esperado. Nela expusera as razões que determinaram  a   revolução e ouvira a eloquência  das palavras dos senhores  Dr. Albino dos Santos Pereira, Gastão de Oliveira e Manfredo  Álvares Affonso.

Em seguida o  Caudilho convidara os presentes a  proclamar  a independência do Acre, com o nome de Estado Independente do Acre, e sugerira  o ato simbólico de ser  hasteada a bandeira ao som da Marcha Batida, pois já havia um corneteiro entre eles, fato que todos reverenciaram, tirando o chapéu respeitosamente.

Foi lavrada uma Ata, da qual Plácido de Castro mandara extrair várias cópias, para serem distribuídas rio abaixo, imediatamente, enviando uma ao Delegado boliviano, em Puerto Alonso, a  fim de  que, se alguém fraquejasse, não pudesse recuar, visto de haver comprometido  com  a  assinatura no documento.

Os prisioneiros bolivianos foram expulsos do território  via Iaco, enquanto Plácido descia o rio Acre a  frente de 64 homens, ficando o coronel Galdino no comando da guarnição de  Xapurí, que se compusera de cerca de 150 homens, e com  ordem de recrutar quantos fossem necessário.

Ao embarcar com seu grupo para descer o rio, Plácido tomara conhecimento de que um judeu-francês,  estabelecido na região,  estaria fazendo reuniões ocultas, com o fim de sufocar  a revolução, talvez não acreditando que o movimento triunfasse.

Ato continuo, Plácido mandara prender esse estrangeiro, levando-o em sua companhia, na sua própria canoa.

No terceiro dia de viagem, o Caudilho  recebera um recado que lhe enviara o coronel João do Monte, comunicando que o batalhão boliviano já haveria chegado em “Capatará”, com grande numero de efetivo.

Continuando  a  marcha, chegaram ao seringal “Itu”, de onde Plácido mandara reconhecimentos a “Capatará”, por água e por terra, recebendo, em seguida,  a  informação de que a noticia era falsa, pois ainda não se soubera nada sobre o batalhão boliviano ali esperado. Era final de agosto quando a tropa revolucionária  chegara a “Capatará”, pela  manhã, partindo em seguida  para  “Benfica”, onde o Caudilho soubera que, com sua demora, em vista de forte impaludismo, muitos companheiros haviam fugido, dando crédito ao boato sobre sua morte, enquanto outros seriam  presos pelos bolivianos,  que já  possuiriam conhecimento da revolução.

Entre os dias 1 e 7 de setembro, no seringal “Liberdade”, Plácido de Castro ocupara-se em convocar os vizinhos e em reunir muita gente. Segundo ele, muitos foram  agarrados, já em fuga, pelo pavor que lhes haveriam causado  a  prisão e  a fuga de seus chefes.

Continuando a marcha revolucionária, Plácido chegara a “Caquetá”, ali encontrando seu conterrâneo Gentil Norberto, o qual  viera  informar-lhe que trouxera de Manaus 120 Winchesters, 100 encapados de farinha e 12 cunhetes  de balas, de vez que fora encarregado pelo governo do Amazonas de fazer guerra no Acre, demonstrando, ao Caudilho, não possuir a  mínima noção sobre coisas militares, muito menos bélicas.

Logo a  seguir apresenta-se o Sr. Rodrigo  de Carvalho, que se dissera com a mesma incumbência do governo amazonense. Notara-se ser público o  desentendimento dos dois, passando os dias em implicância mútua, em discussões estéreis  e em troca de insultos e inculpabilidades.

Prosseguindo viagem Plácido passara pelos seringais  “Bagaço”e “Liberdade”, preparando-se para atingir a Empresa, quando, ao romper  do dia 18 de setembro, as 5:30 horas,  foram surpreendidos,em cheio, no campo da “Volta da Empresa”,  pela primeira descarga de balas, a céu aberto. A tropa acreana, estupefata, reagira como pudera, em tiroteio intenso.

Extinta a  munição, a  derrota pronunciara-se pelos revolucionários,   a  despeito  do esforço despreendido  para evitar o desastre.

A  estreia  dos  acreanos  em  campo de batalha contabilizara  baixa de 22 mortos, dez feridos e 6  evadidos.

O inimigo, não obstante achar-se munido de fuzil, também tivera suas arranhaduras, constante de 10 mortos, inclusive um capitão, e 8 feridos. Mesmo em numero superior, os bolivianos  não efetuaram  perseguição  aos  brasileiros.

 

quinta-feira, 13 de setembro de 2012


terça-feira, 3 de julho de 2012


BRASILEIRO POR OPÇÃO- IX

JOSÉ AUGUSTO DE CASTRO E COSTA


Don José Paravicini após a abordagem ao vapor "Franklin", ainda prosseguiu subindo o rio Acre por mais uns três dias, chegando um pouco acima da volta da Empresa, onde travara conhecimento com Neutel Maia e Raimundo Sargento, precursores da notável jornada migratória brasileira, arrojados ao trabalho, com vistas a prosperar seus seringais.

A todos, a autoridade boliviana cientificara de seus propósitos e projetos, dando ênfase, sobremaneira, ao domínio da Bolívia na região acreana.

Razoavelmente satisfeito com a investida, D. Paravicini retorna à Puerto Alonso, para avaliar o andamento dos afazeres recomendados e concretizar a cobrança do imposto de exportação dos produtos retirados daquela área considerada boliviana, equivocamente por autoridades brasileiras.

É bom lembrar que os bolivianos não haviam esquecido de que o "Rio Tapajós" havia sido fretado da "Amazon Steam Navigation" ao valor de quarenta e cinco contos de réis, pelo período de um mês, acrescido de um conto e quinhentos réis por dia que excedesse ao prazo. O vapor "Rio Tapajós", conduzindo a comitiva de D. José Paravicini, havia zarpado de Belém na madrugada de 14 de dezembro de 1898 e o vencimento do frete estaria para ocorrer dentro de poucos dias. Do dia 14 de janeiro para adiante, o frete do "Rio Tapajós" correria por conta do acréscimo, avaliado em um conto e quinhentos réis, fato que poderia ser sanado com o dinheiro da exportação dos produtos acreanos.

Os bolivianos agradaram-se da aparência de Puerto Alonso, transformada em tão pouco tempo, destacando-se o adiantado estágio das primeiras construções de pequenas barracas na clareria aberta na floresta, deixando à vista uma extensa planície.

Instalado o posto alfandegário em Puerto Alonso, pode-se dizer que também instalados estavam os ânimos acirrados de brasileiros e bolivianos na área.

Desencalhado alguns dias depois, o vapor "Franklin" transpôs o porto de Puerto Alonso sem dar a menor atenção aos sinais do pessoal da alfândega, cometendo uma tremenda desobediência às formalidades e exigências das autoridades bolivianas, o que foi considerado um estupendo desacato e revoltante hostilidade.

Decididos a não se submeterem às novas ordens, o Superintendente da Vila Antimarí e o Juiz de Direito da Comarca manifestaram-se por escrito ao Comandante do "Rio Tapajós", solicitando melhores esclarecimentos sobre a exagerada e acintosa fiscalização dos que se diziam representantes do Governo da Bolivia. Intimavam a que o Comandante do "Rio Tapajós" levasse imediatamente ao conhecimento da comissão boliviana que as autoridades do Amazonas estavam firmemente resolvidas a fazer cessar o abuso que os bolivianos praticavam, e os certificassem de que deveriam, dentro de 24 horas, lhes fornecer provas que justificassem plenamente aquela norma de conduta, responsabilisando ao comandante do navio e à respectiva empresa, por tudo quanto pudesse ocorrer.

Como não obtiveram respostas conclusivas, porém dúbias, inconsequentes e preocupantes, o Superintendente e o Juiz tomaram por bem interpelar pessoalmente a Don José Paravicini, que os informou, em alto e bom tom, que não lhes devia satisfações, de vez que era um Plenipotenciário e só privava entendimentos de potência a potência.

Os brasileiros, por medida de prudência, retiraram-se de Puerto Alonso com destino ao Antimarí, donde o Superintendente designou, de imediato, o Secretário José de Carvalho para, em Manaus, expor, os que julgava serem sérios e preocupantes acontecimentos, ao Governador do Amazonas, solicitando providências.

A autoridade boliviana continuaria baseada em Puerto Alonso, representando seu país e tentando imprimir nova ordem administrativa, sob a inspiração das leis de sua nação.

Como reflete o binômio organização e método, gerador de um natural efeito administrativo, o exercício de D. Paravicini agradara a uns (principalmente bolivianos), mas desagradara grandemente a outros.

Observe-se que o desempenho de Don José Paravicini na região acreana prendia-se sobremaneira ao objetivo de cumprimento do dever em seu torrão patriótico. Tudo que se fizera seria para o bem da Bolívia. Por isso ele se dedicara, de corpo e alma, à construção de uma estrutura organizacional composta de um Governo a oferecer serviços administrativos, judiciários e econômicos, sem descuidar-se da proteção religiosa.

A conduta de D. Paravicini, talvez por exagerar no passionalismo patriótico, temperado com o propósito de firmar e ampliar o domínio da Bolívia com rígida severidade, revelando visível arrogância em ambiente brasileiro, começara a propagar-se de modo negativo em Manaus, repercutindo por todo o Brasil, veiculado pela imprensa amazonense e carioca.


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BRASILEIRO POR OPÇÃO-VIII

José Augusto de Castro e Costa

 

     No início de uma tarde o “Rio Tapajós” atinge sem novidade,  a confluência do rio Purus com o rio Acre  onde, segundo  a tripulação, distinguia-se  o barracão do conhecido cearense “Barão da Boca do Acre”, que marcava suas mercadorias com três  eles – L.L.L. – que significavam seu nome:  Lixandre  Liveira  Lima. Evidentemente  os bolivianos não  intuíram-se  da  esdrúxula  curiosidade.

     Prossegue o vapor  rio acima, impelido pela hélice,  já de onde os bolivianos  começariam a vislumbrar, não obstante o anoitecer, a imensa  planura de terra firme coberta de floresta, “habitat” natural  e abundante da  “Hevea Brasiliensis”, de látex farto e de boa qualidade, constituindo a grande riqueza da região.

     A noite, sob  um céu alegremente estrelado,  o “Rio Tapajós” chega à Vila do Antimarí, sede da Superintendência do Estado do Amazonas.

     No  navio as horas passavam preenchidas por certa celeuma que contrastava com a quietude  entorpecida da vila.  Paralelamente  ao aprovisionamento da expedição boliviana, não foram esquecidos instrumentos musicais, como Charango (um tipo de bandolim), a Zaponha, a  Quena e a Tarka (espécie de flauta) , a Huancara e a Caixa (percussão).  Mesmo sem a participação feminina, alguns sempre  ensejavam passos  da Cueca ou  Lhamero, ao som da melodia da Takirári, uma das mais populares canções bolivianas. Tudo isso regado  à famosa Paceña, que já existia desde 1877 e à  queimante Mocochinchi, uma cachaça que fazia cuspir fogo.

     Dom José Paravicini resolve então balançar a vila, precisamente na  véspera da  virada do ano de 1898, quando alguns, na calada da noite, ainda jogavam conversa  fora, regada a umas lapadas de Cocal  para uns,  Quinado ou Gin com Vermouth  ou a  cerveja  amazonense XPTO,  para outros.

     Tudo  ia bem mas  eis que estronda de repente, um pavoroso  e aterrorizante  estampido, de  fazer  tremer  nas árvores as mais  encravadas  arborícolas (preguiça),  elucidando  de súbito como seria  o Apocalipse. Houve até quem se  lançasse do assento, tal  a  intensidade  da grave detonação do apito do gaiola.

     Passado o susto, embora não ainda refeitos do  terrível sobressalto, os moradores da Vila Antimarí  certificaram-se que  aquela viagem do “Rio Tapajós” não se tratava de finalidade comercial, mas de objetivo  de estabelecer Posto Aduaneiro  nos rios Acre, Purús  e Iaco, inclusive tomar posse de um patrimônio, tudo isso com o descuidado  consentimento  do  Governo  brasileiro.

     Atordoadas, confusas, entontecidas com o alvoroço do inesperado acontecimento, as pessoas acorreram, instintivamente, ao  barranco, a fim de ver e entender a causa de tão estranho  escarcéu.

     Misturado com os demais habitantes, também atônito e surpreso, o advogado José de Carvalho, ao saber das primeiras informações de que  o vapor transportava  uma expedição boliviana, com a finalidade de instalar postos aduaneiros, estranhou não haver  recebido comunicação das autoridades brasileiras de Manaus.

     As palavras pronunciadas  em idioma desconhecido agravavam  a perplexidade. Quem fora despertado, não compreendia o pesadelo. Quem  tomara uns tragos a mais,  cismou  que talvez  bebera sem  moderação.

     A verdade é que a compreensão dos fatos  foi  a única ausente, na noite de 30 de dezembro  de 1898, na Vila do Antimarí.  Ainda mais pelo fato de o “Rio Tapajós” levar  pouco  tempo atracado, adicionado a falta de esclarecimentos  acerca da numerosa comitiva estrangeira que transportara.

     Como não havia nenhuma embarcação ancorada no porto,  Don Paravicini, ansioso  para por em prática seu propósito, mandou desatracar a embarcação e ordenou que o “Rio Tapajós” prosseguisse rio Acre acima. Acabara de tomar ciência de que  umas duas dezenas de navios haviam subido naquela direção e todos, evidentemente, deveriam retornar  superlotados de  borracha, o que proporcionaria uma excelente arrecadação para o recém fisco  boliviano.

     Enquanto  não fora estabelecido a base para a instalação do Posto alfandegário, o devido expediente neste sentido seria  efetivado  no próprio navio.

     Em 3 de janeiro de 1899 D. José Paravicini funda, literalmente, a localidade denominada “Puerto Alonso”, em homenagem ao Presidente da Bolívia,  Don  Severo Fernandes Alonso, hasteando pela vez primeira o pavilhão boliviano.

     O espírito de audácia do conquistador boliviano refletiu-se de imediato, numa região de espessa  floresta, praticamente impenetrável  em  muitos pontos, rica em árvores colossais, onde destacavam-se as nativas seringueiras, castanheiras, cumarus, louros e muitas e muitas outras, símbolos  de economia que ajudaria a fixação do homem à terra.

     Tão logo aprovou  a localização para sua base, D. Paravicini dividiu sua expedição em grupos destinados aos afazeres – de desmatamento, de construção e de burocracia.  A prioridade para a efetivação dos trabalhos continuaria sendo a arrecadação de impostos. Para tal, o “Rio Tapajós” seria utilizado como posto alfandegário ambulante.

     Enquanto as devidas providências eram  tomadas em terra, inclusive com a participação de alguns habitantes da redondeza, o vapor deslocara-se  rio acima e logo ao completar uma curva,  é avistado, encalhado num baixio, o vapor “Franklin”, no qual achavam-se duas autoridades amazonenses – O Juiz de Direito da Comarca e o Superintendentes da Vila  Antimarí, Coronel Francisco  Monteiro de Souza Júnior.

     As autoridades brasileiras estranharam  o pavilhão boliviano tremulando no mastro de um navio brasileiro. Maior impacto tiveram quando  do “Rio Tapajós”, ao aproximar-se,  apresentaram-se um grupo de estrangeiros, ocasião em que D. Paravicini, em aparente autoritarismo, dera conhecimento   a todos, do propósito que o levara àquele lugar, informando-os, sobretudo   do encerramento  das atividades  atribuídas aos brasileiros naquela região, passando todos os encargos  para a responsabilidade da Bolívia.

     Sempre tocado  pelo sentimento  de patriotismo, D.Paravicini  julgava estar na Bolívia, motivo pelo qual  experimentava a alegria de navegar e pisar em território pátrio, após inúmeras  contrariedades  vividas  na empreitada a que propusera-se.

     Em aditamento  ao objetivo da ocupação,  a autoridade boliviana cientificara   ao Comandante do “Franklin”,  Tenente –honorário  Joaquim  Sarmanho, acerca  da instalação do posto alfandegário, entregando-o a notificação para o devido pagamento , tão logo descesse o rio, com destino a Manaus.

        

         

 

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sábado, 4 de agosto de 2012

BRASILEIRO POR OPÇÃO - XI

José Augusto de Castro e Costa



As denúncias propagadas em folhetos, por José Carvalho e periódicos amazonenses, atreladas à prepotência, autoritarismo e desrespeito procedidos pelo Ministro José Paravicini no rio Acre, teria repercussão desastrosa para a Bolívia, em Manaus, Belém e no Rio de Janeiro – Distrito Federal.

A propagação referia-se ao decreto expedido pelo autoridário boliviano, como delegado de seu governo, abrindo os rios brasileiros à navegação dos países amigos da Bolívia, em detrimento do Brasil, incitando navios estrangeiros a violarem a soberania territorial brasileira.

Funcionários brasileiros, como o Chanceler Olinto de Magalhães, posicionaram-se contra as medidas bolivianas, argumentando que o Brasil jamais permitiria que navios estrangeiros navegassem pelas suas águas para Puerto Alonso.

Os precedentes relacionados à história acreana são recheados de perplexidades, com fatos ligados e entrelaçados como teias de aranhas.

Enquanto os ânimos nortistas manifestavam-se em pública e notória ebulição, eis que surge, no Cais de Belém, como num passe de mágica, sem ninguém esperar, uma canhoneira americana, denominada “Wilmington”. Até aí corre tudo com certa naturalidade de aparente visita turística.

Em Manaus, porém, transgredindo normas, o comandante da canhoneira tomara a decisão de, sem autorização do governo brasileiro, partir do cais a noite, de maneira evasiva, com os faróis apagados e dirigir-se ao rio Solimões, subindo até ao município amazonense de Tabatinga e, posteriormente, a Iquitos, no Perú.

Ao retornar, o comandante da canhoneira teria sido alvo de severas críticas relativas à sua conduta, provocando comícios públicos e condenação geral pelo atrevido procedimento.

Única fotografia conservada de
Luis Galvez antes de 1900.
Encontrara-se em Belém, quando da chegada da belonave americana ao porto paraense, um “freelance” espanhol, interessado em produzir reportagens acerca da instalação da alfândega em Puerto Alonso. Trata-se de Dom Luiz Galvez Rodrigues de Aria.

Nascido em Cádiz, Espanha, a 20 de fevereiro de 1859, filho do Almirante da Marinha Real, Fernando Luiz Galvez Concepcion de Aria e de Rosaura Rodrigues de Aria, de prendas domésticas, Dom Luiz Galvez, talvez seduzido pela imensidão da baía de Cádiz, vista do mirante de sua residência, cedo começara a viajar pelo mundo.

Aos vinte anos de idade fazia o curso de Ciências Jurídicas e Sociais e complementava os estudos aprendendo conversação em inglês, francês e português, o que viria dominar com desenvoltura e imperceptível sotaque. Passou a juventude boêmia, andando com os guitarristas pelas bodegas do Alcazar, uma mocidade de modo tradicional, entre vinhos, mulheres, feiras, danças flamengas, porém sem descuidar-se dos estudos.

Em 1889 estava servindo na diplomacia espanhola em Roma, seguindo daí, três anos depois, para Paris, a cidade Luz, que encontrara-se sacudida por atentados anarquistas. Posteriormente fora designado para servir em Buenos Aires, onde, em 1896, viria envolver-se em um assassinato, quando, por questão passional, fora levado a um duelo, ocasião em que tirara a vida do duelista adversário, que por sinal seria irmão de sua namorada.

Demitido do corpo diplomático espanhol, Dom Luiz Galvez fora obrigado a abandonar a Argentina em quarenta e oito horas. Em 1897 chegara a Belém, onde permanecera até 1898. A passagem de ano de 1898 para 1899 fora comemorada num vapor, em frente à cidade de Parintins, no Amazonas, depois de Dom Luiz Galvez envolver-se em flagrante com uma freira, numa efetiva copulação, quando viajava como clandestino, em um barco fretado por religiosos, fazendo o mesmo trajeto Pará-Amazonas. Escandalizados, os superiores sacerdotais desembarcaram os dois em Santarém, de onde prosseguiriam em outro vapor para Manaus.

O retorno de Dom Luiz Galvez a Belém prendia-se, em princípio, em obter uma entrevista substanciosa com Dom José Paravicini, que ainda encontrara-se na capital paraense com destino ao Rio de Janeiro, sobre suas atividades em Puerto Alonso e a consequente instalação do posto alfandegário para fiscalizar e cobrar tributos nos rios brasileiros.

As repercussões da questão do Acre condimentadas com a afronta gerada pelo comandante da canhoneira americana, “Wilmington”, já constituíam ótimos ingredientes para aguçar o espírito agitado e de controvérsias, bem ao agrado do aventureiro.

Envolvido nos dois assuntos, que por sinal eram os que propalavam-se nos quatro cantos das duas capitais amazônicas, a vida de Dom Luiz Galvez era bem ao seu gosto, de cabarés a refinados salões, de humildes cafés a requintados banquetes.

Colhendo informações, umas aqui outras ali, o irrequieto espanhol vai exercendo sua atividade de “freelance”, sempre relacionando seus contatos aos seus objetivos. Entre seus interlocutores, Dom Luiz Galvez cultivara maior aproximação a um patrício seu que prestava serviços ao Consulado boliviano. Trata-se de Guilherme Uhtholf, que exercera a função de Comandante-Geral da fronteira em Puerto Alonso, e acompanhante do Ministro Paravicini.

Dom Luiz Galvez, além de atuar como “freelance” para jornais paraenses também logrou espaço para prestar assessoria no Consulado da Bolivia, graças ao seu preparo intelectual e a irmandade do idioma. Dada a intimidade dos dois espanhóis, Dom Galvez ficou sabendo que o Ministro José Paravicini estaria tratando, secretamente, de celebrar um acordo com os Estados Unidos, tendo encarregado a Guilherme Uhthoff de estabelecer as bases e apresentá-las ao cônsul americano. Tal documento deveria seguir para Washington pela canhoneira “Wilmington”, ancorada no porto de Belém, de regresso de sua clandestina e acintosa viagem por águas brasileiras até a fronteira com o Perú, sem permissão do governo brasileiro.

Em Manaus haviam-se iniciado as manifestações de rua, levadas a efeito por estudantes e populares, refletindo um sentimento generalizado de defesa do patrimônio ameaçado por bolivianos intrusos, usurpadores, considerados nocivos e perigosos para a integridade nacional.

O governo do Amazonas fez chegar às mãos do Presidente Campos Sales uma longa exposição dos fatos que se passavam no Acre, assim como as visíveis consequências da perda da região para a Bolívia. No citado documento enviado ao Presidente da República, o governo amazonense insinuara a possibilidade de eclodir, a qualquer instante, um movimento armado.

O Presidente Campos Sales não tomou a mínima providência, muito menos deu conhecimento a seu “staf” do conteúdo do documento.

Já introduzido no mundo social e jornalístico de Belém, inclusive participando da assessoria do consulado boliviano, Dom Luiz Galvez interessara-se em obter acesso ao teor do plano, cujas bases consistiriam em que os Estados Unidos auxiliariam a Bolívia para conservar sua soberania ao longo dos rios Purus, Acre e Iaco, mediante concessões aduaneiras e territoriais, com o agravante do fiel compromisso americano em fornecer amparo financeiro e pesado armamento como precaução, à vista eclodir uma guerra entre Brasil e Bolívia.

Na qualidade de detentor de fluente conhecimento da língua inglesa, Dom Luiz Galvez oferecera-se para preparar a devida versão do aludido documento para o inglês, no que foi aceito.

Durante o transcurso da versão o espanhol percebeu que estava diante de um assunto que contrariava bastante os interesses brasileiros. Denunciar aos quatro cantos um trágico plano, digno de uma condenação pública é, de certa forma compreensível. Entretanto, assumir atitudes ao ponto de trair seus atuais patrões, detentores de seus próprios princípios, inclusive a fraternidade da língua e postar-se, não só na defesa de uma pátria que acabara de conhecer, mas promover e comandar a expulsão dos invasores, é um procedimento de difícil compreensão. Pois ocorrera desta forma: Dom Luiz Galvez exonerara-se da assessoria ao consulado da Bolívia e regressara a Manaus, onde publicara reportagens sobre a ocupação intempestiva dos bolivianos, enquanto era revisto e estudado, para uma perfeita interpretação o texto do Tratado de Ayacucho. Adicionara às denúncias, o caso da canhoneira americana e, sobretudo, o plano da intervenção diplomática e armada americana ao longo dos rios acreanos, em favor da Bolívia.

A fronteira não estava ainda determinada e somente em 1895 os governos do Brasil e da Bolivia deram início à negociação neste sentido. Há quase trinta anos os brasileiros ocupavam, de maneira efetiva, os rios Purus, Alto Acre e Iaco. Fundado nesta ocupação, possuía o Brasil, independente de qualquer outro título, o ‘UTI POSSIDETIS’, um princípio do Direito Internacional.

Seria esse princípio jurídico internacional o argumento a justificar o posicionamento de um espanhol, residente há apenas dois anos, de defender a soberania de um país totalmente estranho, no que concerne às estações climáticas, aos costumes, à língua e gírias diversificadas, a tudo afinal? Quando da apressada fuga de Buenos Aires, o espanhol pensara em seguir para a India, estabelecer-se em Macau ou viver na Indonésia. No Rio de Janeiro, porém, um compatriota seu, de Bilbao, convencera Dom Luiz Galvez a vir para a Amazônia, pois houvera ficado milionário no Amazonas.


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* José Augusto de Castro e Costa é cronista e poeta acreano. Mora em Brasília e escreve o Blog FELICIDACRE.

quarta-feira, 12 de setembro de 2012


BRASILEIRO POR OPÇÃO-XVI

                         José Augusto de Castro e Costa

 

O Coronel Rodrigo de Carvalho, no então cenário acreano, não seria apenas um extremado revolucionário, ainda que teoricamente, mas era um elemento precioso de êxito, mesmo sem contar com sua função de alto funcionário do governo amazonense.

Fora através de sua simpatia que ele servira-se para subornar um brasileiro, funcionário da Delegação Boliviana para obter todas as informações e até particularidades oficiais das autoridades de Puerto Alonso, ao longo dos dois anos do domínio da Bolívia.

Corria a metade do ano de 1902, quando aos seringais chegara a preocupante notícia de que a Bolívia arrendara toda a região acreana a uma empresa estrangeira, o "Bolivian Syndicate".

Todos sentiram o pavor da presença da aliança que  vinha de fazer o invasor, colocando a seu lado o imperialismo americano para disputar o território brasileiro, de onde saiam os capitais para a exploração comercial que pretendiam os estrangeiros.

Foi então que surgiu, dos bastidores das tentativas revolucionárias, a figura empolgante de José Plácido de Castro, um gaúcho que àquela região chegara há uns dois anos antes, estimulado pelo convite de dois conterrâneos, Gentil Norberto e Orlando Lopes.

Há muito que Plácido de Castro considerava que a presença das autoridades bolivianas, alí instaladas com o consentimento prévio do governo brasileiro e pela força das armas impondo´se à população acreana, afigurava-se uma afronta à Nação, um atentado inominável à integridade da pátria.

Os acontecimentos que presenciara ao longo do rio Acre, Purus e Iaco viriam  tornar apreensível sua alma patriótica, clamando uma reparação. O arrendamento daquelas terras, por fim, apresentara-se como um grande perigo à ordem política continental e à prórpria integridade do Brasil.

No exercício da profissão de agrimensor, munido da indispensável provisão, achava-se Plácido de Castro demarcando o o seringal "Vitória", de propriedade de José Galdino. Testemunhara que os bolivianos haviam elevado à categporia de Vila o povoado de Xapurí, com o nome de Antonio Antunes de Alencar, que alí gozava de algum prestígio e que envidara esforços para conciliar os brasileiros com os bolivianos, em parte conseguindo, tanto que se fez eleger intendente conjuntamente com o Dr. Magalhães. Continuava, entretanto, o desgosto dos brasileiros, sobretudo devido aos rumores que lá chegaram do arrendamento do Acre a uma companhia estrangeira.

Precisamente em 23 junho de 1902 chegaram às mãos de Plácido de Castro alguns jornais que noticiavam como definitivo o arrendamento do território acreano e estampavam o teor do contrato, então firmado entre a Bolívia e o "Bolivian Syndicate". Plácido de Castro considerou a matéria como uma completa espoliação feita aos acreanos, aos quais obviamente sentira-se incluído. Veio-lhe à mente a idéia cruel de que a Pátria Brasileira  iria-se desmembrar, pressentindo que aquilo era o caminho que os Estados Unidos abriam para futuros planos, forçando o Brasil desde então a lhes franquear à navegação os nossos rios, inclusive o Acre. Qualquer resistência ensejaria aos poderosos americanos o emprego da força e a desgraça  nacional em breve estaria consumada.

Plácido de Castro guardou, apressado a bússula de Casella, de que se estava servindo, abandonou as balisas e demais utensílios e saiu no mesmo dia para a margem do rio Acre. Lembrara-se  do apelo que lho fizera Rodrigo de Carvalho, anteriormente, ainda em Manaus, após o fracasso da Expedição dos Poetas, tendo ele protelado.

Há algum termpo, prevendo esse comportamento, houvera ele falado a vários proprietários na possibilidade de uma resistência, consultando-os se com eles poderia contar.

Segundo o Caudilho, de todos foi o coronel José Galdino, incontestavelmente, quem demonstrou melhores disposições de auxiliá-lo. Com ele  combinou em que a revolução se faria: Plácido desceria até "Caquetá", concitando a luta os demais proprietários, devendo romper o movimento em "Bom Destino", seringal de propriedade de Joaquim Victor da Silva, um grande entusiasta da revolução e a pessoa de maior prestígio no baixo Acre. Nessa conformidade Plácido desceu a 25 de junho de 1902 de "Vitória", em uma canoa de José Galdino, passou a 29 em "Bagaço" e a 30 chegou a "Bom Destino".

Depois de entender-se com o coronel Joaquim Victor, que, segundo o Caudilho,  foi o acreano que maiores sacrifícios pecuniários fez pela revulução, ficara acertado descerem até "Caquetá", onde se achara o diretor da Mesa de Rendas do Estado do Amazonas, Rodrigo de Carvalho, o qual proclamava lhe haver o governador Silvério Nery, remetido grande quantidade de armamentos com destino à revolução.

Em "Caquetá", no dia 2 de julho de 1902, em reunião que contava com  as presenças de mais adeptos, trataram tão-somente da revolução e, por proposta de Plácido, ficara assentado em que seria formado uma junta revolucionária composta dos coronéis Joaquim Victor da Silva, José Galdino de Assis Marinho e Rodrigo de Carvalho, e que, rompendo as hostilidades a mesma ficaria automaticamente extinta, para que só ficasse em ação uma única autoridade - o comandante-chefe, no caso Plácido de Castro.

Plácido não conseguiu apoio para que a revolução rompesse no  baixo Acre, como desejava, ficando assentado que o movimento romperia em Xapurí. Tendo para alí regressado, o Caudilho não tinha  certeza do êxito da revolução, de vez que todos declaravm  empenhar o melho de sí, mas ninguém quereria ser o primeiro.

A 4 de agosto era a primeira segunda-feira do mês e, segundo superstição local, os acreanos consideravam dia asiago. Como um dos seus remadores dissera-lhe que não trabalharia, por ser a primeira segunda-feira de agosto, e poderia haver algum desastre, Plácido puxou o revólver e falou  em alto e bom tom: "Se  trabalhares, pode ser que te aconteça algum desastre, mas se não trabalhares é certo que morrerás já" - e com um tiro  n'água indicou-lhe o caminho a seguir.

O homem que parecera firmemente a não movimentar-se, rompeu imediatamente em marcha.

Às 22 horas, em meio de profunda escuridão estavam  passando em frente à povoação de Xapurí, sem serem percebidos, pois Plácido teve o cuidado de advertir de que não fizessem barulho  com os remos na borda da canoa. O velho canoeiro, ainda aí se portara mal, obrigando o Caudilho a fazê-lo compreender que, se fossem descoberto, ele perderia a vida no mesmo instante.

Ao passar pela povoação Plácido mandou por terra um homem a "Vitória" comunicar ao coronel José Galdino que estava indo por água e que ele deveria reunir imediatamente todo seu pessoal, pois, conforme ficara assentado, aquela hora todo o baixo Acre deveria estar conflagrado.

O mensageiro chegou à "Vitória" na mesma noite, enquanto Plácido, somente no dia seguinte, às 9 horas da manhã, aparentando uma alegria e, em bom humor, dizendo que a revolução não duraria 20 dias, pois achara que o entusiasmo no baixo Acre era imenso.

O coronel Galdino mandou efetivamente reunir o seu pessoal, conseguindo o comparecimento de 33 homens, inclusive seu filho Matoso.

Com esses 33 homens, ao cerrar da noite, seguiram em canoas para Xapurí, onde chegaram às 5 horas da manhã, quando vinha rompendo a aurora.

Era 6 de agosto, sem que soubessem os revolucionários, dia comemorativo à independência da Bolívia, pelo que estava preparada uma grande festa. Na véspera as autoridades bolivianas haviam dormido muito tarde, depois de abundantes libações e dos cânticos patrióticos do costume, pelo que àquela hora da manhã dormiam ainda a sono solto.